Como meus relacionamentos, minha comida deve ser bem temperada e apimentada. Nada de “purê de batata sem sal com arroz” – tem que ter gosto forte, de preferência picante! Sem exageros como aquelas pimentas que ardem três vezes, na boca, no estômago e na saída, prefiro um molho caseiro bem feito ou mesmo Tabasco.
Devo dizer que fiquei meio frustrado com a culinária na Ligúria – eles absolutamente não curtem pimenta! Há um pequeno restaurante perto de casa onde tomamos café da manhã todos os dias e eventualmente almoçamos ou jantamos. Fizemos amizade com a dona, Mariana, e como em outros restaurantes de toda aquela região eles não têm sequer um molhinho de pimenta para colocar na comida. Se pedir pimenta, trazem o vidrinho de pimenta do reino (aquela que faz mais estrago na saída). Então eu levei um vidro de Tabasco e deixei lá. Aparentemente não sou o único que gosta, o vidro acabou e praticamente só eu usei! Já comprei outro para substituir….
O Lígure – como todo italiano – é arraigado em suas tradições e receitas, não são muito chegados em mudar ou adaptar, então comem sempre as mesmas coisas… Por isso quando meu irmão faz seus jantares semanais e convida os amigos, eles têm que abrir o botão das calças na hora de ir embora, comem feito alucinados! Nós brasileiros fazemos uma coisa que é mais ou menos ofensiva aos italianos, que é misturar queijos com frutos do mar, como em um bobó de camarão. Digamos que eles mudam de ideia assim que colocam a primeira garfada na boca, e terminam lambendo os pratos.
Outro hábito que temos (ao menos na nossa família) é de fazer sobremesas diet entupidas de leite condensado. Ok, não são diet. Ah, uma das moças que trabalha no restaurante que citei acima comprou uma bisnaga de Leite Moça e coloca no café de meu irmão para adoçar. No meu café não, prefiro engordar com os vinhos e os queijos.
Mudamos o escritório de lugar, perto de uma pequena cidade chamada Vado Ligure, com 8 mil habitantes. O centrinho comercial tem umas poucas lojas e restaurantes – as lojas fecham meio dia e meia e só abrem às três e meia (inclusive o Mini-Carrefour). Então acabamos por almoçar nos mesmos lugares sempre, já que não há muitas opções. E todo mundo já nos conhece – ainda bem, no começo achavam que éramos um casal gay – nada contra, exceto que em cidades pequenas são extremamente conservadores e nos olhavam feio. Eu estou solteiro, desta forma ficaria meio difícil até de flertar! Um dos motivos que reforçava a ideia de que éramos um casal é o fato de sempre estarmos juntos, só temos um carro e moramos na mesma casa. Como ainda não estamos totalmente estabelecidos precisamos conter os gastos, mas estou pirando! Me sinto voltando à infância e dependendo dos pais para me locomover! O carro e a casa foram alugados através da empresa, já que é muito difícil encontrar quem alugue imóveis para estrangeiros, e um estrangeiro não pode comprar um carro mesmo que pague à vista. Graças a Deus nossa cidadania finalmente saiu, então assim que der vou alugar um apartamento e comprar um carro ou uma moto parcelados em trocentos meses – quase não tem juros! Mas isso ainda demora uns meses, espero sobreviver!
Então, como frequentamos os mesmos lugares, os cardápios não mudam muito. Durante a mudança do escritório para o novo local fazia um calor infernal, na hora do almoço eu já estava esgotado e cozido com a temperatura de mais de 30 Celsius. Eu não tinha muito apetite, então comi o mesmo prato no mesmo restaurante de Vado diversas vezes, um crudo con melone, presunto cru com melão (e uma cerveja Corona), que é leve e refrescante (o melão e a cerveja). Um dos dias ao sentar à mesa, a garçonete veio e disse “já sei, crudo e melone”. E eu, “não… hoje quero variar, traga um melone e crudo!”. Aí ela caiu na gargalhada – aliás, esse é outro lado do lígure, não estão acostumados com piadinhas e gracinhas, mas acabam por nos adorar justamente por isso! Hum… será que a garçonete é solteira?