“Rosalind? Sorry, there is no street here with this name” disse o motorista do taxi que pegamos em Southampton na Inglaterra.
Quando começamos a vender conchas para colecionadores nos anos 80, um cliente nos enviou quatro mil dólares em dinheiro dentro de um envelope – era o suficiente para cobrirmos nossas despesas pessoais por vários meses! Nem nos passou pela cabeça que alguém poderia enviar tal quantia pelo correio, principalmente sem nos conhecer pessoalmente. Hoje isso seria impensável, a maior parte das notas de todos os países contêm tarjas metálicas ou algo que pode ser visto no raio-x. O interessante era que todas as notas eram muito antigas, algumas da década de 1930!
Quem nos enviou foi um capitão da marinha mercante inglês, William Owen – ele já tinha mais de oitenta anos e apesar de não nos conhecer, confiou totalmente em nossa honestidade. Continuou comprando de nossas listas, e em nossa primeira viagem à Inglaterra resolvemos visitá-lo em Southampton.
A viagem em si para a Inglaterra já foi uma aventura, principalmente com nosso vastíssimo conhecimento da língua inglesa (tipo “the book is on the table”). Pegamos um táxi do aeroporto para o hotel em Londres com um escocês que falava em grego (acho, não entendemos nada do que ele falou) e ao chegar – cheios de malas grandes – subimos em um elevador minúsculo que não tinha porta do lado de dentro! Ou seja, a parede dos andares ficava passando quase encostada em nós. O quarto devia ter um metro e vinte de largura, mal dava para nos mexermos.
De Londres pegamos um trem para Southampton – outra experiência nova, eu nunca havia andado de trem em longas distâncias (e não fazia ideia de que seria possível enjoar com o chacoalhar constante). Southampton é uma cidade no sul da Inglaterra, e de onde o Titanic saiu – é muito simpática e um dos destinos de férias dos ingleses no verão.
Pegamos um táxi na estação e mostramos o endereço, Rosalind, 47 Orpen Road, Sholing, Southampton SO19 0EL – como não sabíamos que parte do endereço seria importante, demos tudo, inclusive o CEP… aí que ele disse não saber o que seria “Rosalind” – mas conseguiu chegar usando o restante do endereço. Ao chegar que vimos o que era “Rosalind”: o nome da casa! Era tão antiga, que quando a construíram não usavam número, as casas eram conhecidas por um nome próprio! Muito Agathachristieano!
O Capitão nos recebeu com um grande sorriso, era muito simpático e grandalhão – nos mostrou depois uma foto sua no navio e era tipo halterofilista! Sua esposa Netta veio em seguida, tinha também seus oitenta e tantos anos – e quase nenhum dente na boca, o que tornava ainda mais difícil de entender o que ela falava – o máximo que fazíamos era sorrir de volta “em inglês”.
Ele possuía um pequeno museu aberto ao público no fundo de sua casa – tinha um pouco de tudo, animais empalhados, pedras, objetos de naufrágios, conchas (obviamente) e mais um monte de outras coisas.
Como passaríamos a noite lá, subimos para arrumar as coisas e tomar um banho. Ao entrar no banheiro “cadê o chuveiro?” não tinha…. mas o capitão chegou com uma bacia cheia de água quente, aquecida pela lareira da sala. Ou seja, foi um banho tcheco com o pouco de água quente.
Depois do banho descemos e fomos apresentados à verdadeira culinária inglesa: carne assada sem tempero com batata idem. Mas foi muito divertido e conversamos por horas. Ele nos contou que uns meses antes de chegarmos eles alugavam um quarto para “uma senhora muito velhinha” (tipo uns 5 anos mais velha que ele). Ele disse que estava começando a ficar complicado, pois tinha que levá-la para o quarto no segundo andar no colo (?!?!).
Ele nos contou diversas passagens de sua vida, inclusive que o dinheiro que nos enviou foi juntado durante suas viagens com a marinha mercante desde os anos 30 – o que explicava as datas das notas que nos enviou. Antes de subirmos para dormir, ele nos garantiu que a roupa de cama de nossos quartos havia sido fervida, para evitar que houvessem “bed bugs”, percevejos que sugam sangue e infestam alguns hotéis sujinhos mundo afora (que obviamente não existiam em sua casa).
Continuamos a ter contato com eles até quando o Capitão faleceu em 1996, e ficamos sabendo que sua esposa viria a falecer pouco depois – como não tiveram filhos, a propriedade e os bens ficaram com um sobrinho que transferiu o museu para Oxfordshire.
O interessante é que para escrever este texto fui procurar alguma informação online sobre ele, e descobri que seu sobrinho vendeu todo o acervo em um site de leilões em maio de 2021! Eu cheguei a pensar que tudo tinha sido esquecido em algum porão, mas felizmente sua coleção teve um destino mais interessante indo parar nas mãos de muitos colecionadores!