Foram nove dias de incerteza e apreensão para mais de 1 milhão de estudantes internacionais espalhados pelas universidades em todo os Estados Unidos. No dia 6 de julho, o ICE, sob o comando do Department of Homeland Security, determinou o cancelamento de uma mudança feita em março deste ano que permitia escolas e universidades a condução das aulas totalmente online sem que o aluno perdesse o direito ao visto de estudante F1 e M1.
Não demorou muito para que dezenas de universidades e milhares de alunos começassem a protestar contra a medida. Entre eles brasileiros que viram seu futuro como estudante ser colocado em cheque.
O governo se viu diante de uma enxurrada de processos em cerca de 17 estados americanos, entre eles de duas das mais prestigiadas universidades do país, a Harvard e o MIT, ambas de Massachusetts.
Na terça-feira, 14, momentos antes dos advogados apresentarem seus argumentos em corte contra a medida do governo, o juiz federal Allison D. Burroughs anunciou que o governo havia desistido de manter o cancelamento da medida.
A notícia foi recebida com alívio pela advogada Tatiana Moretz Sohn Fernandes, 37, estudante de mestrado em Instructional Design and Technology na Seton Hall University em South Orange, New Jersey. “Num primeiro momento eu fiquei muito preocupada”, diz ela que teve o curso adaptado para cumprir as exigências para alunos internacionais. “Foi criado uma disciplina presencial para atender a minha situação em particular”, diz.
Por ser um curso originalmente online, caso a medida não caísse, a única opção seria buscar outra universidade com aulas presenciais. Porém a alternativa era pouco viável. “A transferência para outra escola é complicado e caro. Além de você se colocar em risco neste momento de pandemia com a procura de casa para morar”, explica.
Depois de ter cursado metade dos créditos necessários, ela temia não poder concluir o curso e ver um investimento de milhares de dólares parar na lata de lixo. Alunos internacionais em geral pagam o chamado full tuition, que é o preço cheio cobrado pelos créditos. No caso de Fernandes, soma-se a este custo o período que ficou estudando inglês antes de iniciar o curso, os custos de moradia e alimentação. “Eu fiz um planejamento de, após a conclusão do curso, trabalhar durante um período para adquirir experiência e enriquecer o currículo”, relata ela completando que caso tivesse que interromper os estudos e voltar ao Brasil sem isso, a imagem dos Estados Unidos para ela mudaria radicalmente. “Eu perderia totalmente a confiança”, disse em tom de desabafo.
Entretanto, Fernandes pode se considerar uma privilegiada. Morando desde novembro de 2018 no país, ela não regressou ao Brasil com o fim do semestre e a interrupção das aulas presenciais. Este, porém, não foi o caso de Mateus Antonievicz Pedroso, 20, que conversou de Curitiba com o AcheiUSA por telefone. Estudante de fisioterapia da Eastern Wyoming College, onde também joga basquete, seu sonho desde a infância, ele recebeu a notícia com um misto de satisfação e dúvida. O motivo seria o fato de, mesmo não perdendo o visto caso continue fazendo as aulas online, não saber se poderá regressar aos Estados Unidos devido à proibição da entrada de viajantes saídos do Brasil, o que afetou cerca de 2,2 milhões de brasileiros desde o início da metida. O seu visto F1 permite a permanência fora do país por apenas cinco meses. Desde que a universidade fechou por completo e passou as aulas para o sistema online, no início da pandemia em março, todos os alunos voltaram para casa, incluindo Pedroso que chegou no Brasil no dia 20 de março. Ele tem até o dia 18 de agosto para regressar sem perder o visto e o direto a continuar com os estudos.
Críticos da administração Trump dizem que a ameaça de expulsar os alunos internacionais teria conotação de racismo e xenofobia porque muito dos estudantes são negros, latinos e asiáticos, além de ser uma forma de obrigar as escolas a voltarem com as aulas presenciais e criar uma falsa sensação de normalidade. O que muitas pessoas estavam de fato preocupadas, incluindo escolas, funcionários e alunos, era com a possibilidade de se verem expostos à contaminação do Coronavírus com a presença em salas e cafeterias cheias de alunos.
“Mesmo em Wyoming, onde a taxa de contaminação era muito baixa, existe a preocupação de que, voltando às aulas, os casos também aumentem. Se isso acontecer, há o risco das aulas serem novamente suspensas”, diz Pedroso. A preocupação é dividida com Fernandes que via nesta atitude do governo uma ameaça à saúde de alunos e professores. “Se eu pudesse, faria aulas somente online”, disse ela.
Matrícula de estudantes internacionais pode atingir menor número desde 2ª Guerra Mundial
Um levantamento da National Foundation for American Policy (Fundação Nacional para Política Americana) estima que o número de estudantes internacionais nas universidades americanas pode chegar ao menor valor desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
As matrículas para o semestre do ano acadêmico de 2020/2021, que se inicia no outono americano, pode cair entre 63% e 98% em relação ao mesmo período do ano passado. Os dados mostram que desde 2017 as novas matrículas estão em declínio.
Entre os motivos apresentados pelo estudo estão a paralisação dos consulados americanos na condução de entrevistas e emissão de vistos, incluindo vistos de estudante. Mesmo que os vistos voltem a ser emitidos, não se sabe ao certo se será em tempo suficiente para a realização das matrículas para este ano.
Outro fator são as restrições impostas em países como o Brasil para a entrada nos Estados Unidos. O Departamento de Estado do governo americano informou em nota que os consulados somente irão voltar a emitir vistos, incluindo de estudantes, após o fim das restrições de entrada no país e que quem já possui o visto de estudante não está excluído da medida de segurança.
Para Pedroso, que conseguiu a bolsa de estudo através do programa para jogar basquete, a possibilidade de não conseguir regressar seria o fim de um sonho. “A minha prioridade é o basquete. Estou em um dos melhores lugares para isso. Não quero perder esta chance da minha vida”, disse.