A Receita Federal do Brasil informou, nesta segunda-feira (6), que vai investigar as circunstâncias de ingresso no país de um segundo pacote de joias dado pelo governo da Arábia Saudita a uma comitiva brasileira que visitou o país em 2021 para ser entregue ao então presidente Jair Bolsonaro (PL) e primeira-dama Michelle. A Receita já havia informado no fim de semana que o governo passado não seguiu os protocolos para incorporação ao patrimônio da União do presente oferecido pelos sauditas. As peças são avaliadas em R$ 16,5 milhões. Bolsonaro negou ilegalidade. “Estou sendo acusado de um presente que não pedi nem recebi”, disse em entrevista à CNN Brasil, no sábado (4).
O ex-presidente afirmou que o pacote seria entregue para o acervo presidencial e que, do ponto de vista legal, as joias poderiam ser usadas pela então primeira-dama. “Dois, três dias depois a Presidência notificou a alfândega que era para ir para o acervo, até aí tudo bem. Nada de mais. Poderia, no meu entender, a alfândega ter entregue. Iria para o acervo e seria entregue à primeira-dama. O que diz a legislação? Ela poderia usar, não poderia desfazer-se daquilo. Só isso, mais nada. Agora estou sendo crucificado no Brasil por um presente que não recebi”, afirmou Bolsonaro. Nas redes sociais, Michelle Bolsonaro disse desconhecer o assunto. “Eu tenho tudo isso e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês foram longe mesmo hein?”, escreveu.
A história veio à público por meio de uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, publicada na sexta-feira (3). Segundo o jornal, o conjunto de joias composto por colar, anel, relógio e par de brincos de diamantes foram encontradas por despachantes alfandegários na mochila de um assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que voltava de viagem oficial ao Oriente Médio em outubro de 2021. A embaixada saudita no Brasil não respondeu ao pedido de comentário do jornal.
Nesta segunda-feira, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, enviou um documento à Polícia Federal solicitando “apuração de possíveis fatos criminosos” por parte dos assessores do ex-presidente. “As evidências são robustas e a verdade será revelada”, disse Paulo Pimenta, porta-voz do presidente Lula, em uma transmissão nas redes sociais.
A Receita Federal emitiu nota de esclarecimento sobre o episódio, destacando os seguintes pontos:
- Todo cidadão brasileiro sujeita-se às mesmas leis e normas aduaneiras, independentemente de ocupar cargo ou função pública.
- Os agentes da Receita Federal atuantes na aduana são servidores de Estado, com prerrogativas e garantias constitucionais que lhes garante isenção e autonomia no exercício de suas atribuições legais.
- Todo viajante que traga ao país bens pertencentes a terceiros deve declará-los na chegada, independentemente de valor.
- No caso de bens pertencentes ao próprio portador, devem ser declarados aqueles em valor acima de US$ 1 mil, limite atualmente vigente.
- Caso não haja declaração de bem, é exigido 50% do valor a título de tributo, acrescido de multa de 50%, reduzida pela metade no caso de pagamento em 30 dias.
- Na hipótese de agente público que deixe de declarar o bem como pertencente ao Estado Brasileiro, é possível a regularização da situação, mediante comprovação da propriedade pública, e regularização da situação aduaneira. Isso não aconteceu no caso em análise, mesmo após orientações e esclarecimentos prestados pela Receita Federal a órgãos do governo.
- Não havendo essa regularização, o bem é tratado como pertencente ao portador e, não havendo pagamento do tributo e multa, é aplicada a pena de perdimento, cabendo recursos cujo prazo, no caso, encerrou-se em julho de 2022.
- Após o perdimento, é possível, em tese, o bem ser levado a leilão, sendo que 40% do recurso arrecadado é destinado à seguridade social e o resto ao tesouro. É possível também, em tese, a doação, incorporação ao patrimônio público ou destruição.
- A incorporação ao patrimônio da União exige pedido de autoridade competente, com justificativa da necessidade e adequação da medida, como por exemplo a destinação de joias de valor cultural e histórico relevante a ser destinadas a museu. Isso não aconteceu neste caso. Não cabe incorporação de bem por interesse pessoal de quem quer que seja, apenas em caso de efetivo interesse público.
- Os fatos foram informados ao Ministério Público Federal, sendo que a Receita Federal colocou-se à disposição para prosseguir nas investigações, sem prejuízo da colaboração com a Polícia Federal, já anunciada pelo Ministro da Justiça.
- Finalmente, a Receita Federal saúda os agentes da aduana que cumpriram seus deveres legais com altivez, cortesia, profissionalismo e impessoalidade, honrando a instituição a que pertencem.