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Quem adquire nacionalidade norte-americana precisa renunciar à brasileira?

Por Adriana Rizzotto

Pela primeira vez, uma brasileira nata perdeu a sua nacionalidade e sujeitou-se à prisão para fins de extradição, com o aval da suprema corte brasileira.

De acordo com a tese fixada pela 1a Turma do Supremo Tribunal Federal, brasileiro nato que por livre e espontânea vontade adquire a nacionalidade estadunidense renuncia automaticamente à nacionalidade originária, cuja perda deve ser declarada, de ofício, pelo Ministro da Justiça.

O entendimento sobre o tema era pacífico no sentido diametralmente oposto: a aquisição voluntária da nacionalidade norte-americana não causava prejuízos à brasileira, pois era considerada condição indispensável para residência legal irrestrita, bem como para o pleno exercício de direitos civis nos Estados Unidos. Consequentemente, brasileiro nato estava absolutamente imune à extradição, quaisquer que fossem as circunstancias e a natureza do delito cometido nos EUA.

A 1ª Turma do STF, por maioria, com voto condutor do ministro Luís Roberto Barroso, decidiu que brasileiro perde automaticamente a nacionalidade originária ao naturalizar-se norte-americano, com base em duas suposições: 1ª) a desnecessidade de portador de visto de permanência (Green Card) naturalizar-se americano para residir e exercer direitos civis nos EUA; 2ª) o juramento de fidelidade, efetuado durante a solenidade de naturalização nos EUA, constitui “ato de renúncia à nacionalidade brasileira”.

A Constituição da República estabelece que a nacionalidade brasileira não será perdida pela aquisição de outra, na hipótese da naturalização ser imposta pelo estado estrangeiro “como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis[iv]”.

Brasileiros portadores de Green Card frequentemente recorrem à naturalização para viabilizar a fruição de direitos civis somente disponíveis à cidadãos estadunidenses, tais como votar em eleições federais e locais; concorrer a cargos públicos; peticionar para vistos de permanência em benefício de familiares próximos; servir como jurado em júri popular; trabalhar em agências governamentais federais; entrar e sair dos EUA sem restrições, mesmo após longos períodos de ausência; usufruir benefícios de assistência e previdência social sem restrições; não ser deportado, salvo na hipótese de fraude na obtenção da nacionalidade; e usufruir de benefícios tributários na sucessão hereditária, dentre outros.

O juramento de fidelidade feito durante a cerimônia de naturalização no exterior, no sentido de “renunciar e abjurar fidelidade a qualquer Estado ou soberania”, constitui formalidade desprovida de eficácia jurídica para destituir cidadão brasileiro de sua condição de nacional do Brasil. Por questão de soberania nacional, a Constituição da República constitui a única fonte normativa das hipóteses taxativamente previstas para aquisição e perda da nacionalidade brasileira.

O procedimento constante no site Portal Consular do Ministério de Relações Exteriores[v] (Itamaraty) descarta, categoricamente, qualquer espécie de perda automática de nacionalidade, ao dispor que, “ao tornar-se cidadão estrangeiro, por processo de naturalização, o cidadão brasileiro não perde automaticamente a cidadania brasileira, mas sim, passa a ter dupla cidadania: brasileira, por nascimento, e a estrangeira, por naturalização. (…) somente será instaurado processo de perda de nacionalidade quando o cidadão manifestar expressamente, por escrito, sua vontade de perder a nacionalidade brasileira. Caso contrário não ocorrerá processo de perda de nacionalidade”.

De acordo com estatísticas do Departamento de Imigração dos EUA, anualmente, aproximadamente 10 mil brasileiros adquirem voluntariamente a nacionalidade norte-americana. Esse enorme contingente de expatriados optou pela naturalização seguindo a supracitada orientação do Itamaraty e sem a intenção de abrir mão de sua condição jurídica de nacional do Brasil. Se prevalecer a tese chancelada pelo ministro Barroso no julgamento do MS 33.864/DF, o Ministério da Justiça terá competência para instaurar, de ofício e a qualquer tempo, procedimento administrativo com a finalidade de declarar a perda de nacionalidade de dezenas de milhares de brasileiros naturalizados americanos. A destituição forçada de seu direito fundamental à nacionalidade acarretará o cancelamento de passaporte brasileiro, título eleitoral e obrigações fiscais com o Brasil, bem como a necessidade de visto para entrar e permanecer legalmente em nosso país. Quem tem vínculo empregatício com o Brasil precisará de visto de trabalho para continuar no emprego. O limbo jurídico será ainda mais grave para aqueles que optaram pela naturalização com a convicção de que seriam detentores de dupla nacionalidade e hoje ocupam, de boa-fé, cargos públicos privativos de brasileiros.

O supracitado precedente da 1ª Turma do STF não tem caráter vinculante. Sobreveio acordão da 1ª Seção do STJ, em caso relativamente semelhante, no qual ficou decidido, por unanimidade, a existência de direito líquido e certo à manutenção da dupla nacionalidade, em razão da aquisição da nacionalidade estadunidense dar-se como imposição para o exercício de direitos civis, sejam quais forem estes direitos[vii]. O relator do mandado de segurança, ministro Benedito Gonçalves, destacou que “… não é lícito ao Brasil, a partir da redação dada ao art. 12 da Constituição pela EC n. 3/94, exigir de seus nacionais que abram mão de uma segunda cidadania quando o planejamento de vida deste brasileiro abrace outra nacionalidade, a par da brasileira. Não é a pessoa humana que deve servir aos interesses do Estado, mas sim o Estado que é  criação humana destinada a colaborar para a felicidade e não para a infelicidade das pessoas”. Há recurso extraordinário pendente de julgamento no STF, de relatoria do ministro Edson Fachin.

Adriana Rizzotto é juíza federal no Rio de Janeiro.

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