Uma proposta do governo pode limitar o número de estudantes com acesso a alimentação gratuita nas escolas públicas. A medida afetaria quase um milhão de crianças nos Estados Unidos, sendo 200 mil só na Flórida. O projeto foi cogitado pela primeira vez em julho deste ano, pelo Departamento de Agricultura do país, e tudo indica que será colocado em prática já no ano que vem.
O objetivo da iniciativa é limitar o número de participantes no programa federal de cupons de alimentos (food stamps), formalmente conhecido pela sigla SNAP (Programa de Assistência de Nutrição Suplementar, em tradução livre). Com isso, os estados seriam limitados em sua capacidade de ajustar os parâmetros de renda para os beneficiados. Os mesmos critérios definem os estudantes que têm acesso às refeições gratuitas nas escolas públicas. Na Flórida, o número de alunos que perderiam o benefício automático é de 195.888, com alguns municípios mais afetados do que outros.
No Condado de Manatee (costa oeste do estado), 55% dos alunos estão inscritos no Programa Nacional de Merenda Escolar, de acordo com o Instituto de Políticas da Flórida, uma entidade apartidária. “Com o fim do programa, as famílias destas crianças ficarão ainda mais sobrecarregadas, e muitas delas já estão com dificuldades”, argumentou Paco Vélez, CEO do Feeding South Flórida, a maior organização de combate à fome da região. De acordo com o novo direcionamento, para se qualificar ao programa, a renda familiar não pode ultrapassar 130% da linha de pobreza, ou seja, US$ 33.475 para uma família de quatro pessoas.
Além disso, há as questões burocráticas de um processo que exige comprovações e documentos. “Imagino que muitas famílias perderão o benefício não porque não estariam qualificadas, mas por causa das barreiras processuais que encontrarão ao tentar aplicar”, afirmou Cindy Huddleston, analista do Instituto de Políticas da Flórida. Alberto Carvalho, superintendente das escolas de Miami-Dade, concorda. Ele observou que o processo simplificado atualmente em vigor “melhora o acesso dos alunos às refeições escolares, reduz a papelada e os custos extras do distrito e ainda aumenta a integridade do programa”.
A análise mais recente do governo prevê que as mudanças no SNAP podem reduzir as despesas federais do programa de alimentação escolar em aproximadamente US$ 90 milhões por ano. A Casa Branca está adotando medidas de corte de custos em programas assistenciais para acabar com as falhas e injustiças. Por outro lado, os educadores acreditam que este processo poderia ser feito sem prejuízos às crianças. “Alunos com fome não aprendem direito”, argumentou Darlene Moppert, gerente do programa de educação e treinamento nutricional nas Escolas Públicas de Broward, condado que reúne 60 mil estudantes matriculados no programa de merenda gratuita.
Muita gente não sabe, mas a questão da fome é uma realidade, mesmo num país de primeiro mundo como os Estados Unidos. Para se ter uma ideia, a falta de alimentação na comunidade é maior durante o verão, quando as crianças perdem as refeições escolares gratuitas. O CEO do Feeding South Florida lembra que, muitas vezes, as crianças não gostam de férias ou feriados porque a pausa significa não ter o que comer em casa. “E isso é muito comovente”, finalizou Vélez, acrescentando que 19,4% das crianças de Miami-Dade vão para a cama com fome.