DA REDAÇÃO – Um dos mais importantes cartões postais da Flórida, a Disneyworld é para muitas pessoas sinônimo de diversão, alegria e fantasia. Mas o mundo perfeito criado por Walt Disney hoje contrasta com outra realidade, menos gloriosa e feliz, para milhares de pessoas que vivem à margem da pobreza na Grande Orlando. São famílias inteiras que vivem de subempregos nas redes de fast food e, até mesmo, nos próprios parques da Disney.
O fechamento dos parques, devido à pandemia e a avalanche de demissões que seguiu, somente agravou e expôs um lado da cidade de Orlando até pouco tempo desconhecido dos turistas. São pessoas vivendo em quartos de motéis decadentes e até abandonados à beira das estradas, como retratou em recente reportagem o jornal The Washington Post.
A crise, no entanto, não está afetando somente os americanos. Muitos brasileiros foram pegos de surpresa, engrossando um contingente de pessoas que veem pouca ou nenhuma esperança em melhorias a curto prazo.
O paulista Claudiney Garcia, 49, chegou em Orlando há um ano carregado de esperança na abertura de uma empresa de aluguel de carros para turistas brasileiros. Empresário do ramo de rastreamento de veículos no Brasil, Garcia apostou todas as suas fichas no novo negócio e em uma nova vida na América do Norte. “Eu investi quase todas as minhas economias aqui”, afirma Garcia, que alugou imóveis, escritório e comprou sete carros para iniciar as atividades.
Até o início de março, o negócio começava a deslanchar. A compra de mais veículos para reforçar a frota e atender à demanda já era uma possibilidade que Garcia vislumbrava. Tudo mudou com o início da pandemia e o fechamento dos parques. “Orlando virou uma cidade fantasma. Os turistas sumiram”, lamenta ele que, além da perda de novos clientes com a restrição imposta pelos Estados Unidos à entrada de turistas brasileiros, ainda teve que devolver dinheiro de depósitos de clientes que foram obrigados a cancelar a viagem.
A empresa fechou e os carros foram vendidos. Sem ter como conseguir emprego formal por causa das restrições do seu visto, ele sobrevive hoje como motorista de aplicativo na cidade de Melbourne, a cerca de 71 milhas ao sul de Orlando. “Meu futuro aqui é incerto. A minha vontade é de voltar para o Brasil porque aqui não tem muito o que fazer”, diz Garcia, que acredita que muitos brasileiros devem estar na mesma situação.
Crise provoca fechamento de comércio e agrava pobreza
A queda brusca do turismo em Orlando provocou um efeito cascata na economia local voltada para os imigrantes brasileiros. Segundo o pastor Eduardo Baldaci, 54, da igreja Batista de Orlando, foi visível a quantidade de pessoas sendo despejadas de suas casas e o fechamento de comércio. Os que ainda não fecharam lutam para manter as portas abertas. “Eu vi comércios falindo e outros lutando soberanamente para sobreviver”, diz Baldaci, que também observou o esvaziamento de muitas igrejas. Muitos, segundo ele, deixaram Orlando pela falta de oportunidades, incluindo brasileiros.
Algumas pessoas conseguiram emprego no setor de construção, um dos poucos que não parou e até está em falta de mão-de-obra. A contradição, explica, é porque há um grande número de brasileiros em Orlando que vieram do Brasil com dinheiro, e, portanto, com uma situação financeiramente estabelecida e necessitam dessa mão-de-obra. Mas outras pessoas que perderam seus empregos no setor de turismo acabaram saindo da cidade em busca de mais oportunidades.
Desemprego é recorde na terra do Mickey
Quando a pandemia do novo coronavírus estourou para o mundo em março, a Disney anunciou o fechamento de todos os seus complexos turísticos na Flórida. Cerca de 77 mil trabalhadores foram licenciados, recebendo benefícios de saúde completos, na esperança de que uma luz no fim do túnel da pandemia aparecesse.
Em julho, o governador da Flórida, Ron DeSantis, autorizou a reabertura gradual dos parques, desde que medidas sanitárias impostas pelas autoridades de saúde do estado fossem cumpridas.
Com menos horas de parque, menos opções de restaurantes, sem fogos de artifícios, sem os abraços do Mickey Mouse e uso obrigatório de máscara, as famílias não se sentiram motivadas a voarem para a Flórida.
A Disney chegou a fazer uma parceria com a agência de publicidade do governo para lançar uma estratégia de marketing voltada para atrair visitantes de dentro próprio estado. Mas os resultados não foram animadores.
Os efeitos prolongados da covid-19 na receita da empresa fizeram com que as licenças fossem transformadas em demissões, atingindo milhares de trabalhadores diretos. Com a demissão em massa, a taxa de desemprego do condado de Orange County – lar da Disneyworld, Universal Orlando Resort, SeaWorld e dezenas de atrações turísticas familiares – ficou em 11,6% em agosto, diante de 3,1% em agosto do ano passado, de acordo com o Departamento de Oportunidades Econômicas da Flórida.
O condado de Osceola, que faz fronteira com a Disneyworld ao sul, teve 15,1% de desemprego em agosto, ante 3,5% no mesmo período de 2019. Com isso, a pulsante indústria de lazer e hospitalidade que sustenta a Flórida Central foi posta em alerta. O SeaWorld demitiu 1,9 mil funcionários em suas propriedades em Orlando neste mês.
Durante o verão, um sindicato de Orlando organizou um banco de alimentos semanal para trabalhadores licenciados de parques temáticos.
A situação na área metropolitana de Orlando é agravada pelo salário mínimo de $8.56 por hora e do alto custo de moradia. Na reportagem do Washington Post é retratada a situação de uma família que vive em um motel. O pai e a mãe de uma adolescente trabalham em uma rede de fast food ganhando $9 por hora. O pai precisa trabalhar cerca de 50 horas por semana somente para custear o aluguel do quarto onde moram.
Há um ano sem ver a filha, o brasileiro Claudiney Garcia diz que a saudade é outro motivo para querer voltar ao Brasil, além da atual situação em que se encontra. Sobre o que sente por ter tido o negócio fracassado devido à pandemia, ele não culpa o país e nem vê com pessimismo. “É uma experiência de vida. Não posso colocar culpa nos Estados Unidos, porque foi um problema mundial. Existem, sim, diferenças culturais e nós sempre seremos vistos como imigrantes. Se não fossem os imigrantes, este país não andaria”, reflete ele.