Garoando à tarde, e tocam a campainha no escritório. Já me veio a cabeça que eram Testemunhas de Jatobá, mas acho que dissolvem em água corrente–deve ter um ninho aqui perto, sempre tem um monte andando pela rua. Era um rapaz, de uns vinte e poucos anos, com uma mochila e de boné.
– Moço, posso limpar esse mato da sua calçada por dois ou três reais?
Eu concordei, apesar de só ter uns fiapos de grama entre as pedras da calçada – achei que ia pedir esmola, mas ofereceu trabalho. Uns minutos depois ele terminou e tocou a campainha, desci com o trocado que tinha na minha mesa, quatro reais. Vi a grama espalhada solta na calçada e pensei que ia deixar a bagunça lá, e que seria levada pela chuva para dentro de algum bueiro. Não.
– O senhor tem uma vassoura, uma pá e um saquinho plástico para eu poder limpar isso?
Fiz que sim, mas antes de subir já dei os quatro reais para ele, imaginando que na volta de buscar a vassoura nem o veria mais. Errado de novo, estava esperando para poder limpar. Pegou a vassoura e enquanto limpava puxou conversa, com um português razoavelmente bom e muito educado.
– O senhor está de folga?
– Não, aqui é meu escritório.
– Ah, achei que estava em casa descansando.
– O pessoal por onde você passa aceita que limpe as calçadas?
– Alguns sim, outros dizem que isso é trabalho da prefeitura e batem a porta, mas não tem problema.
Conversei uns minutos com ele, e elogiei o fato de estar oferecendo serviços ao invés de simplesmente pedir esmola.
– Sim senhor, eu moro na rua e só tenho essa sacola com umas roupas e cobertores. Eu mesmo fiz essa ferramenta para tirar a grama (um pedaço de vergalhão retorcido), mas perde logo o fio. Eu sei que podia estar roubando ou ser petista (ok, essa última parte ele não falou…), mas prefiro tentar trabalhar. Assim que juntar algum dinheiro vou comprar uma ferramenta melhor para tirar o mato.
Terminou de varrer e apontando para o chão, disse todo orgulhoso:
– Olha como ficou bonito sem o mato!
Aí o Gandhi que mora dentro de todos nós me fez procurar mais algum trocado dentro da carteira. Só tinha uma nota de dois e uma de cinquenta. Olhei para ele e disse:
– Quer saber? Você está fazendo a coisa certa ao agir assim, merece um pequeno prêmio de vez em quando.
E dei a nota de cinquenta (o Gandhi sussurrou na minha orelha que isso não compra nem duas garrafas de vinho que tomo sempre). Ele arregalou os olhos, disse que era mais que um pequeno prêmio e saiu todo sorridente.
Não sei se ele usará o dinheiro para comprar a ferramenta ou não, e isso não me importa, acho que boas atitudes devem ser recompensadas.
Corta para uns minutos depois, o Gandhi foi embora e veio uma Kombi vender abacaxi na porta do escritório, com uma droga de alto falante. Aí tive que segurar o Gengis Khan que também mora dentro de mim para não jogar uns ovos nele e o escorraçar de lá.