Ao final da tarde de quarta-feira, 24, os ânimos estavam acirrados, a julgar pelo desfile de memes e provocações de ambos os lados no Facebook. O julgamento em segunda instância de Lula pelos desembargadores do TRF-4 confirmava a sentença do paladino de primeira instância Moro e ainda acrescentava mais alguns anos a pena. O que parecia ser o fim, foi na verdade mais uma etapa na saga em andamento da jornada de Lula em sua possível volta à presidência. Mesmo que o resultado fosse o contrário os ânimos não se arrefeceriam e com velocidade meteórica Lula receberia alguma outra condenação dos vários outros processos em andamento.
O que se passa desapercebido neste suposto julgamento é algo que de certo modo também se repete nos EUA mas não estamos nos dando conta. A bem da verdade, o fenômeno começou há mais tempo e nem nos apercebemos. Trata-se da judicialização da democracia, o que de certo modo a enfraquece.
Ao final de uma acirrada disputa pela presidência dos Estados Unidos, no sugestivo ano 2000, criou-se um impasse na contagem de votos entre Gore e Bush e isso poderia se arrastar por meses a fio. A suprema corte foi convocada para arbitrar o impasse e nesse momento seus membros passaram de ilustres desconhecidos a personagens atuantes na política r o fiel da balança ficou desgovernado. Estava inaugurada a era dos julgamentos políticos.
Até então não prestávamos muita atenção aos membros dessa seleta casta, membros da suprema corte, indivíduos com cargos vitalícios e poder de rasgar a constituição que supostamente têm que defender. Pessoas cujo mérito as vezes é até questionável e que chegaram até ali por indicação, não através de eleições populares. O falecido juiz Antonin Scalia, por exemplo, não fazia nem questão de esconder suas ideologias conservadoras e desde o princípio se sabe que Clarence Thomas, juiz até hoje, andou bulindo perniciosamente com sua assistente, Anita Hill, e mesmo assim conseguiu o cargo.
Mas a suprema corte é apenas a ponta do iceberg. O sistema judiciário federal é um emaranhado de instâncias, côrtes de apelações, circuitos, que englobam centenas, talvez milhares de juízes e cada um deles tem o poder de travar, mesmo que temporariamente, qualquer ato dos outros dois poderes. Se nos EUA isso funciona como uma chave de segurança no Brasil é uma arma.
Em meio a popularidade avassaladora do governo Lula as elites se viram ameaçadas e a suprema corte brasileira respondeu prontamente. Em meio a várias denúncias de corrupção, criaram-se julgamentos de exceção, com condenações sem provas, os julgamentos do mensalão. A iniciativa se tornou uma prática e serviu de molde para as investigações da força tarefa Lava-jato e o resto é história. Se observarmos atentamente, membros do nosso emaranhado judicial são na verdade uma verdadeira legião de ativistas bem posicionados. Todos os juízes, desembargadores, procuradores e até o alto escalão da polícia federal, que investiga os casos a serem julgados, são provenientes de classes abastadas, descendentes de nobres e fidalgos, sem nenhum compromisso, portanto, com a isenção requerida por seus cargos.
O filósofo marxista Antonio Gramsci levantou, nos primórdios da revolução russa que a condição básica para sustentar um Estado despótico é justamente a existência de um sistema judiciário e policial corrupto. Foi assim com o nazismo, foi assim com o fascismo, é assim na maioria dos países do Oriente Médio. Um dos pilares da democracia e sua parte menos visível é justamente seu calcanhar de Aquiles. o fiel da balança que pode pender para um dos lados.
Está claro agora que justiça no Brasil é um conceito relativo que só vale para o lado mais forte economicamente mas antes que a América possa se regozijar de que aparentemente conta com um sistema jurídico federal efetivo, fica a pergunta: Será que o fiel da balança está realmente regulado? Não pende para um dos lados? Trump não serve como referência porque ele não tem ideologia nenhuma, simplesmente não tem noção, mas, e se ele agisse de forma contrária? E se ele decidisse abrir as fronteiras, receber imigrantes de braços abertos, acabar com exigência de vistos, reduzir as armas, taxar os mais ricos, distribuir a renda, regular a indústria de armamentos, acabar com a emissão de gases, ou seja, agir como um líder do bem? Ele poderia?