Brasil Geral

No século 21, eleições brasileiras ainda trazem agressões, atentados e assassinatos

Bandeira com a imagem da vereadora assassinada Marielle Franco durante manifestação para o aniversário do crime no Rio de Janeiro 14/03/2019 REUTERS/Ricardo Moraes

Por Lisandra Paraguassu

BRASÍLIA (Reuters) – No dia 24 de setembro, pouco depois do fim das convenções partidárias que definiram as chapas das eleições municipais, o candidato a vereador Cássio Remis (PSDB) foi morto em Patrocínio (MG) com cinco tiros, à luz do dia, filmado por câmeras de segurança.

O assassinato marcou a abertura da campanha eleitoral municipal de 2020 e intensificou a temporada de mortes, agressões e atentados.

No mesmo dia, com menos repercussão, morreu em São José da Coroa Grande (PE), Valter Rafael da Silva (DEM), o Valter do Conselho, também candidato a vereador.

Foram duas vítimas no mesmo dia de um período, entre julho e setembro de 2020, em que 123 políticos e associados foram alvo de homicídios, atentados, agressões, de acordo com levantamento feito pelo Grupo de Investigação Eleitoral (Giel) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio).

Dados ainda não publicados pelo Giel mostram que a violência continuou crescendo à medida que a eleição se aproximava. Números repassados à Reuters com levantamento de outubro e até 9 de novembro, 6 dias antes da eleição, mostram, em cerca de 40 dias, 14 homicídios e 58 tentativas.

No próprio dia da eleição, o Ministério da Justiça registrou sete ameaças e sete tentativas de homicídio. Em Sumaré (SP), no início da noite de domingo, com as urnas fechadas, Edmar Santana (Patriotas), que acabara de ser eleito suplente para a Câmara de Vereadores, foi assassinado a tiros por um homem que passou por ele de moto, de acordo com a emissora EPTV, do interior de São Paulo.

A violência política no Brasil, que existe ao longo do ano –em um reflexo da própria violência que domina o país–, se acentua em anos eleitorais e cresce à medida que a eleição se aproxima.

No primeiro trimestre deste ano foram 88 casos de violência, no segundo, 86 e no terceiro, 123. Em 2019, ano sem eleições municipais ou estaduais, o total ficou em 148. Ou seja, só nos primeiros 9 meses de 2020 os casos de violência foram o dobro de todo ano passado.

Os assassinatos e atentados não escolhem partido. O levantamento do Giel mostra que foram mortos, agredidos e ameaçados políticos de praticamente todas as legendas, do PSOL ao PSL. São vereadores, prefeitos, candidatos a prefeito, lideranças locais. Em alguns casos, deputados estaduais e federais, mas em um número muito menor –nesses casos, ameaças é o mais comum.

Os casos estão espalhados por praticamente todos os Estados, mas raramente acontecem em capitais. É nos municípios menores onde a rivalidade eleitoral é mais violenta.

“O conflito político brasileiro não é nacional, é local”, diz Felipe Borba, coordenador do Giel. “Nos pequenos municípios é uma lógica de rivalidade local. Nesses pequenos é quase um jogo de soma zero: quem tem acesso ao cargo político tem acesso a muita coisa; perder o controle do poder público tem um custo político muito alto, é patronagem mesmo. Estar na oposição é não ter nada.”

Os dados de homicídios com motivações políticas levantados pelo Giel mostram, ainda, que a eleição municipal é muito mais violenta que os pleitos nacionais. Em 2018, ano de eleição presidencial –e apesar do atentado ao então candidato Jair Bolsonaro– aconteceram 26 mortes. Em 2019, com o final do ano já dando sinais das primeiras disputas locais, esse número chegou a 47. Em 2020, nos primeiros 9 meses do ano, foram 91 mortes.

A motivação, enraizada nas disputas locais, varia de acordo com os interesses, a criminalidade e o submundo local.

Em início de outubro, Adriano Sousa Magalhães, candidato a prefeito em Dom Eliseu (PA), foi assassinado com um tiro na cabeça enquanto jantava em uma lanchonete na cidade. O atirador estava em um carro e fugiu em seguida. Até agora ninguém foi preso.

Dom Eliseu, no nordeste do Pará, está no centro da extração de madeira ilegal na Amazônia, de acordo com a ONG Imazon, que acompanha o desmatamento na região.

O Estado do Rio de Janeiro registrou, nas últimas semanas antes da eleição, números crescentes de assassinatos e atentados. Em Nova Iguaçu, quatro dias antes da eleição, Domingos Cabral (DEM) foi morto por homens encapuzados enquanto estava em um bar. Um mês antes, na mesma cidade, Mauro da Rocha, também foi assassinato.

No início de novembro, um dos vereadores da capital, o ex-policial militar Zico Bacana (Podemos), foi baleado quando vazia campanha na zona norte. O vereador, que foi investigado por envolvimento com milícias, não foi reeleito.

Apesar da falta de resultados das investigações, Borba afirma que se pode ver alguns padrões nas motivações a partir das regiões.

“Tem alguns padrões. Aqui no Rio de Janeiro o principal é envolvimento com crime organizado, tráfico, milícia. No Pará há muitos crimes ligados à disputa por terra”, explica.

VISIBILIDADE

A morte de Cássio Remis foi filmada por câmeras de segurança em Patrocínio; Adriano Magalhães morreu na lanchonete mais movimentada de Dom Eliseu; há 10 dias, Ricardo Moura (PL), candidato a vereador em Guarulhos, fazia uma live em redes sociais quando foi baleado na perna e no ombro.

Ainda assim, em nenhum desses casos alguém foi preso. Em Patrocínio, o secretário de obras Jorge Marra –irmão do prefeito Deiró Marra (DEM), candidato à reeleição–, aparece atirando em Remis, mas está foragido há quase dois meses. Nos outros casos, a polícia ainda não conseguiu identificar autores ou mandantes.

A sensação de faroeste não é nova no país. Em 1963, os senadores rivais Arnon de Mello –pai do ex-presidente Fernando Collor– e Silvestre Péricles sacaram armas no plenário do Senado e Mello, ao tentar atingir Péricles, matou o senador pelo Acre José Kairalla.

Em 1993, Ronaldo Cunha Lima, então governador da Paraíba, deu dois tiros no ex-governador Tarcísio Burity, que acusara seu filho, Cássio Cunha Lima (PSDB) –ex-senador e ex-governador do Estado– de corrupção. Em 1998, Ceci Cunha (PSDB), primeira mulher eleita deputada federal por Alagoas, foi assassinada com outras três pessoas. Um deputado foi apontado como mandante, mas nunca julgado.

No interior do país, disputas políticas eram comumente resolvidas à bala sem chegar às manchetes dos jornais.

No século 21, capitais raramente são alvo de cenas de violência nesse nível, mas em 2018 a vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (PSOL) foi assassinada, junto com o motorista Anderson Gomes. Apesar da pressão no país e no exterior, a polícia conseguiu chegar ao ex-PM Ronie Lessa como executor do crime, mas até hoje não alcançou o mandante.

“São poucos políticos locais que têm visibilidade e geram comoção, como o caso da Marielle, que era uma liderança em ascensão e na capital. A maior parte dos casos acontece nos municípios pequenos, sem visibilidade, não gera essa comoção para investigar”, diz Borba.

Por mais chocante que seja um político sofrendo um atentado ao vivo, como aconteceu mais de uma vez neste ano, nada foi feito em relação a uma política para investigar ou prevenir isso. E essa violência, alerta Borba, não é apenas contra políticos, mas eleitores, que são coagidos, ameaçados e, muitas vezes –como nas áreas de milícias no Rio de Janeiro– vivem sob domínio de grupos violentos.

A cada eleição, a pedido do TSE, o governo federal envia a Força Nacional de Segurança ou tropas das Forças Armadas para locais considerados de maior risco –este ano cerca de 600. Esse reforço, no entanto, normalmente chega na véspera e vai embora no dia seguinte à eleição.

“É até lugar comum falar da impunidade, mas não tem uma política organizada de combate ao crime político. Deveria ter um núcleo especializado para investigar esse tipo de crime, não basta essas operações de mandar Força Nacional, Exército. Isso pode inibir naquele momento, mas o ciclo eleitoral é muito longo. Tem político morrendo desde o ano passado”, disse Borba.

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