Marcus Coltro

Nevasca!

Marcus Coltro com a filha Bianca. Foto: Reprodução

No último minuto uns dias antes do Natal decidi visitar minha filha Bianca no Canadá – comprei uma passagem pela American Airlines de Milão a NY, de lá para Toronto, e outra passagem pela Air Canada de Toronto para Ottawa.

O único problema é que a chegada caiu exatamente no dia que a “bomb cyclone” atingiria a região, previsão de nevascas e temperaturas extremamente baixas. Cheguei em NY no aeroporto JFK e de lá peguei um táxi para o aeroporto de La Guardia. Até então nem nevando estava, mas chovia muito. O avião para Toronto saiu no horário e tive tempo de sobra para aguardar o voo para Ottawa. Em Toronto também não estava nevando, e tudo parecia normal – quando faltava dez minutos para embarcar, anunciaram o cancelamento do voo! Pânico total – estamos falando do dia 23 de dezembro, famílias inteiras viajando para encontrar amigos e parentes. O atendente da Air Canada sugeriu irmos ao balcão da companhia para tentar remarcar para os voos seguintes, mas quando cheguei lá já tinha uma fila com mais de cem pessoas – outros voos também haviam sido cancelados. Liguei para meu agente de viagens no Brasil e expliquei o que havia acontecido, ele me disse para tentar resolver no aeroporto enquanto ele tentava do lado de lá. Consegui falar com um atendente que passava pela fila – ele me aconselhou a ligar usando os telefones no andar superior. Saí da fila (com cem pessoas na minha frente) e subi, fiquei meia hora ouvindo musiquinhas – e meu agente de viagens também. Achei melhor descer e voltar à fila – que agora tinha umas duzentas pessoas. Enquanto esperava, procurei por alternativas online no celular, trens ou ônibus, Nada, tudo vendido.

O mesmo atendente passou novamente, e uma senhora na minha frente contou que precisava chegar à Ottawa sem falta – ele falou para ela ir ao balcão onde o próximo voo sairia em algumas horas, e ficar na fila de espera por um lugar, talvez alguém desistisse. “Cuma???” Foi nessa hora que outro brasileiro veio falar comigo, disse que havia ouvido eu falar no celular em português. Na hora que o atendente sugeriu aquela coisa absurda de esperar que abrisse uma vaga, eu senti que a Air Canada não iria resolver nada, então eu mesmo resolvi o problema – perguntei ao brasileiro (Wagner, de Porto Alegre) se ele queria rachar um carro comigo. Seriam quatro horas – nem é tanto, mas eu estava morrendo de sono, e uma companhia iria ajudar a me manter acordado, além do que sairia mais barato dividindo em dois.

Fomos pegar as malas, e aí foi outro parto – dezenas de voos cancelados e todas as malas misturadas no saguão! Procuramos por toda parte e nada – ficamos na fila do guichê de reclamações, para ver se sabiam onde as malas estariam. Por sorte o Wagner viu sua mala rodando em uma esteira, e a minha também estava lá! Corremos para a área de locação de automóveis – costumo alugar na Hertz, mas já estava fechada, provavelmente porque acabaram os carros. Fomos para a Avis e conseguimos pegar um dos últimos carros (a preço de ouro, esses canalhas não perdem a chance de lucrar com a desgraça alheia). Uma porcaria de um Corolla Hatch, um carrinho fraco com pneus estreitos. Bom, melhor que ficar esperando o voo no dia seguinte.

Saímos de Toronto e o Google Maps nos deu um caminho “alternativo” por estradas secundárias e não na autoestrada 401 que todo mundo usa – no dia seguinte fiquei sabendo que vários carros rodaram e bateram na 401, por sorte não fomos por lá. Ao sair de Toronto a neve começou a apertar, e quando entramos nas estradas pequenas além de neve tinha um vento muito forte, mas durante o dia até que deu para ver alguma coisa. Aí a neve e o vento apertaram, e até as faixas da estrada sumiram – tentei manter uma velocidade na média dos outros, mas o carro não ajudava muito. No meio da viagem, ele derrapou e perdi a direção – tirei o pé do acelerador e não pisei no freio, o carro deslizou de um lado para o outro da estrada por umas quatro vezes, e na última ele estava indo em direção a um barranco – aí eu toquei no freio e girei o volante para o outro lado. A traseira bateu em um morro de neve, eu acelerei e voltei para a estrada. Um parênteses: foi a primeira viagem internacional do Wagner, e ele pega um maluco para levá-lo de carro no meio da neve. Ah, esqueci de mencionar que o carro quase não tinha freios, cada vez que precisava parar eu tinha que começar a brecar muito antes.

Bom, continuamos na estrada, e nem precisamos trocar as calças depois de derrapar. Só que começou a anoitecer e eu já quase não enxergo patavinas no escuro normalmente – claro que não mencionei isso ao Wagner… digamos que fui dirigindo em modo “braile”, havia momentos que eu não podia ver o capô do carro, mas continuamos seguindo – eu TINHA que chegar a tempo para passar o natal com minha filha! Fiquei imaginando quantas famílias passaram o natal no aeroporto de Toronto – assim que saímos de carro os dois aeroportos foram fechados, nenhum voo saía ou chegava, foi muita sacanagem da Air Canada não abrir o jogo logo de uma vez.

Depois de quase sete horas de viagem tensa, chegamos em Ottawa – as ruas estavam tão horríveis quanto a estrada, rajadas de vento com neve cruzavam nossa frente e dificultavam a visão. Eu deveria retornar o carro no dia seguinte, mas como o Wagner havia reservado um carro no aeroporto, decidi deixar o carro lá e ir para a casa da Bianca de Uber – mas o Noah, seu namorado, veio me buscar no meio da nevasca. Acho que ela fez uma boa escolha, bom rapaz!

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