– Monsieur Coltrô! Na lousa!
De nada adiantava fingir de morto, olhar para baixo e desejar ser invisível. O professor “Lorrã” de matemática sempre me achava e pedia para eu passar por aquele mico de ficar olhando para a lousa com o cérebro em ponto morto, desejando que teletransporte existisse. Só me toquei depois de adulto que seu nome não era “Lorrã” e sim Laurent. Ele dava aula na escola Marista onde fiz o primário e o ginásio, era suíço e tinha sotaque francês – baixinho, com bigode, parecia o personagem chefe de cozinha do desenho Ratatouille.
Eu era péssimo em matemática, mas se aprendi alguma coisa certamente foi graças às aulas do Laurent. Cansei de tirar zero, é verdade, mas minha osmose foi o suficiente para absorver o necessário para passar de ano e nunca repetir. Como minha filha – e provavelmente todas as crianças – sempre questionava se iria usar tanta matemática assim. “Pra que droga usarei a tal da raiz quadrada se nem gosto de botânica?” É verdade que nem tudo a gente usa (continuo sem achar um uso para a raiz quadrada), mas é importante ter pelo menos uma noção geral em nosso dia a dia.
A ironia é que hoje sou relativamente bom em matemática, uso muito em cálculos complexos em programação de banco de dados, para fazer desenho mecânico, e claro, para fazer as contas a pagar no fim do mês.
Os anos passaram, e de vez em quando lembrava do Laurent. Um dia citaram seu nome na comunidade da escola no finado Orkut. Resolvi procurar por ele e encontrei seu telefone (admito, não lembro como). Liguei, e ele mesmo atendeu do alto de seus noventa anos de idade. Contei quem estava falando–ele lembrou na hora de mim (não sei o porquê…) e eu disse que ainda mantinha contato com a turma da escola. Conversamos um pouco pelo telefone e depois de uns dias fui visitá-lo pessoalmente–perguntei se ele toparia sair para comer uma pizza com outros colegas e professores. Seus olhos brilharam, e disse que iria no dia que eu quisesse (mas olhou meio de lado esperando a autorização de sua filha, que fez sim com a cabeça).
Marquei com o pessoal – alguns professores e vários ex-alunos de outras turmas toparam na hora quando disse que levaria o Professor Laurent. Fui buscá-lo na hora marcada, ele me esperava todo arrumadinho na porta de casa. Ao chegar à pizzaria todos o cumprimentaram, incrédulos de ver como ele ainda estava inteirão. Conversamos e rimos por horas, e o Laurent parecia um garotinho todo animado conversando alto, lembrando dos “causos” da época que dava aula. Mas ficou tarde e eu havia prometido à sua filha levá-lo de volta cedo–ele ainda estava a mil por hora e nem queria ir embora.
Na hora de se despedir no carro, segurou forte minha mão e com lágrimas nos olhos me disse “Muito obrigado por esta noite, nunca pensei poder me encontrar novamente com tantas pessoas queridas, muito obrigado, do fundo do meu coração”. O nó na garganta foi forte, e o abracei dizendo que nós é que deveríamos agradecê-lo.
Naquele momento me senti um garotinho ouvindo do professor:
– Monsieur Coltrô, nota dez!
PS. Esse vai para meus coleguinhas da escola do grupo de WhatsApp!