Quando meu irmão mais velho começou a usar óculos aos dez anos de idade eu fiquei com inveja. Por pouco tempo, logo em seguida comecei a usar também (leve miopia) e odiei – quebrei um monte deles brincando e brigando na escola, e acabei atropelado por preguiça de usar. A miopia foi aumentando gradualmente, até alcançar os onze graus quando eu tinha por volta de 20 anos, aí não tinha como não usar – o passo seguinte seria um cão guia e uma bengala branca. Eu comecei a usar lentes de contatos bem cedo também, mas nunca tive paciência para usar o tempo todo. Você sabe o que são onze graus de miopia? Não dá para enxergar o rosto da pessoa que está à sua frente. A primeira coisa que fazia ao acordar não era abrir os olhos, mas sim pegar os óculos no criado mudo. Em suma, meu universo era borrado.
Quem usa óculos o tempo todo sabe que sem eles a gente fica surdo – não dá para saber se falam conosco ou não… Iniciei a mergulhar aos 18 anos, e só podia fazer isso usando lentes – até o dia que resolvi colar com silicone as lentes de um óculos antigo na minha máscara de mergulho. Funcionou bem e usei por um bom tempo, mas não era prático quando eu tinha que sair da água e caminhar por barrancos íngremes para voltar para o carro.
Eu sonhava com a possibilidade de inventarem uma pílula que curasse minha miopia como mágica – algo que eu sabia que seria impossível. Aí começaram a fazer ceratotomia radial – técnica russa com cortes feitos na córnea como fatias de pizza. Meu irmão foi a cobaia de nosso oftalmologista e fez os dois olhos de uma vez. Funcionou muito bem, uns dias depois estava enxergando 100%! Mas como meu grau era muito alto, o método não poderia ser usado… Somente depois de alguns anos começaram a usar a técnica laser, e assim que soube que poderia fazer a cirurgia corri para agendar, isso foi no fim de 1996. Ainda era meio experimental e o oftalmo sugeriu fazer um olho e somente depois de quinze dias fazer o outro.
Na antessala (que palavra horrível, no meu cérebro ainda se escreve “ante-sala”) havia um televisor que mostrava as cirurgias em tempo real. Acho que não foi uma boa ideia, já que tiraram um tempo depois – algumas pessoas que estavam esperando ficavam verdes e saiam correndo de lá antes de fazer a cirurgia. Vou explicar o procedimento: eles pingavam um anestésico local (tudo feito com você acordado, claro) e pressionavam o globo ocular com um tubo para que não se mexesse durante a cirurgia. Aí com outro tubo afiado, davam um “pique” na córnea e removiam a epiderme para poder aplicar o laser. Depois pegavam essa epiderme e faziam torresmo para oferecer aos pacientes (ok, não faziam isso). Assim que passavam o laser vinha um cheiro de pele queimada – nada agradável. Depois da cirurgia eles colocavam uma lente de contato que deveria ser usada por 15 dias até que a epiderme se regenerasse. Hoje em dia eles somente cortam uma parte, levantam e recolocam no lugar após o laser. Então, se animou pra fazer a sua cirurgia? Pois saiba que eu faria quantas vezes necessário!
No dia seguinte pude tirar as bandagens e já no primeiro banho percebi que havia letras no sabonete, imagine! Nos dias seguintes a visão começou a melhorar bem, voltei ao oftalmo e ao testar os resultados me disseram que haviam ZERADO a miopia! Fiz o segundo olho e a cirurgia também foi um sucesso. Após mais de uma década, um pouco do astigmatismo voltou e me receitaram óculos para dirigir (á noite), e outro para vista cansada (seja lá o que seja isso, eu vivo cansado por inteiro) para usar em frente ao computador. Mas fiquei com tanto trauma de usar óculos que deixo um par em cada lugar, um em casa para ver TV, outro na frente do computador (o tal pra vista cansada), e um no carro para dirigir à noite e ir ao cinema. Me recuso a ficar com os óculos na cara o tempo todo, fiquei carregando essa droga no rosto dos sete até os trinta anos de idade.
Recentemente percebi que gráficas andam imprimindo letras embaçadas em revistas e jornais, ou seria hora de voltar para a mesa de cirurgia?