DA REDAÇÃO – Bastou apenas um dia de aula para que um aluno do segundo grau de uma escola em Atlanta, Geórgia, voltasse para casa contaminado pelo novo coronavírus. Em Dallas, Texas, a imagem do corredor da North Paulding High School repleto de alunos sem máscara viralizou nas redes sociais causando revolta entre pais de alunos.
Em nenhum dos dois condados, onde as escolas estão localizadas, foi exigido o uso de máscaras e distanciamento social. Os superintendentes apenas recomendaram o uso das máscaras, sem, no entanto, impor a obrigatoriedade.
De comum entre os dois estados está o fato de ambos serem governados por republicanos. Conservadores por todo o país fizeram protestos contra a obrigatoriedade das máscaras alegando que ela fere o direito individual da escolha.
Na Flórida, governado por Ron DeSantis, outro republicano, a decisão de voltar as aulas presenciais está agora nas mãos de um juiz. Isso porque o maior sindicado de profissionais de educação do estado, representando cerca de 145 mil professores, entrou na justiça para impedir que as escolas abram as portas, marcada para acontecer ainda neste mês de agosto.
A alegação é a atual situação dos casos de coronavírus. A Flórida se tornou um dos epicentros da pandemia nos Estados Unidos, além de Califórnia e Texas. Os casos de novas mortes aumentaram 14% na semana do dia 5 de agosto em relação à semana anterior. Entretanto, um dos dados que mais tem preocupado pais, professores e autoridades sanitárias é o aumento de casos entre crianças e adolescentes. Segundo o Departamento de Saúde do estado, na última semana de julho, 31,000 crianças abaixo de 17 anos contraíram o vírus num espaço de uma semana. Um aumento de 34%. O número de internações de crianças também aumentou 23%.
Esta é a maior preocupação de mães brasileiras com filhos em idade escolar. Josselena Machado, 57, residente de Coconut Creek, FL, é mãe de dois adolescentes de 14 e 17 anos, ambos alunos da Hight School. Apesar de trabalhar fora, Machado decidiu manter os filhos estudando em casa, após responder a um questionário da escola onde era possível escolher entre as aulas presenciais, on-line ou híbrida. No caso dos filhos de Machado, ela diz que eles não tiveram perda na qualidade do ensino. “Meus filhos acharam melhor estudar de casa. Para eles as distrações estão sendo menores que dentro das salas de aula. Pode ser devido à idade talvez, mas as notas até melhoraram”, diz reconhecendo que mesmo se isso não tivesse acontecido ela teria mantidos os filhos em casa por temer pelo mais novo que sofre de artrite reumatoide e baixa imunidade.
Pesquisas mostram que Machado pode estar tomando a decisão mais acertada para ela e, principalmente, para os filhos. Um estudo recente da JAMA Pedriatrics mostra dados alarmantes que validam o temor dos pais. Bebês e adolescentes podem carregar altas doses do vírus SARS-CoV-2. O autor do estudo concluiu que a quantidade de vírus transmissíveis na garganta de um adolescente é a mesma que em um adulto, e que, em alguns casos, chega a 100 vezes mais. Os resultados são similares de estudos feitos na Coreia do Sul.
“Nós não podemos fingir que está tudo bem”, disse Gary Simon, diretor de doenças infecciosas da Universidade de George Washington em declaração ao The Atlantic. “Se eu tivesse filho em idade escolar, não mandaria para a escola”, disse.u penso não somente nos meus filhos, mas também nas outras pessoas. É muito complicado você expor seu filho, professores, seus familiares e todas as outras pessoas”, diz Melissa Castello Meza, 31, residente de Miami, Flórida, e mãe de duas crianças de 5 e 6 anos. Castello reconhece que as escolas não possuem plano e nem estrutura para garantir que as crianças e funcionários fiquem protegidos. “A professora de minha filha cuida dos pais idosos que estão no grupo de risco. Quem vai garantir a segurança deles?”, questiona ela mesmo reconhecendo que para crianças menores, o ensino à distância é um desafio para elas próprias e para os pais.
Crianças em casa trazem dificuldades para os pais
Poucas pessoas questionam a importância do ensino presencial. O contato com professores e outros alunos vão além do aprendizado das disciplinas. Ele é crucial para o desenvolvimento das crianças e adolescentes. “As crianças precisam se desenvolver, precisam crescer e adquirir habilidades sociais”, garante o médico e pai Andrew Pastewski, diretor da unidade de tratamento intensivo do Jackson South Medical Center, em Miami.
As perdas não são somente para as crianças. Pais que trabalham fora tem relatado situações de caos com as aulas virtuais das crianças. Muitos estão impedidos de saírem para trabalhar por não terem com quem deixar os filhos. Outros sofrem com a incapacidade de ajudarem os filhos com os deveres da escola por não dominarem o inglês.
Enivânia de Oliveira, 49, residente de Danbury, estado de Connecticut, se vê em uma situação de difícil solução. Com a eminência da volta às aulas, ela, que trabalha fora como corretora de imóveis não sabe o que fazer com a filha Maria Clara de 10 e o filho Pedro de 12. “Estamos com medo de mandar as crianças de volta para a escola, mas também sabemos que o estudo on-line não é a mesma coisa, o aprendizado cai 60%. Ao mesmo tempo, mães como eu, sozinha, que temos que trabalhar fora para pagar as contas, ficamos sem saber o que fazer. Ou ficamos em casa para ajudar as crianças nos deveres, e deixamos as contas sem pagar ou pagamos as contas e deixamos as crianças sem aprender”, desabafa ela completando que também teme que os filhos sejam contaminados na escola.
Oliveira não está sozinha. Um relatório do Escritório de Estatística do Trabalho mostra que cerca de 21,5 milhões de trabalhadores nos Estados Unidos tem crianças menores de 6 anos. Já o Centro para o Progresso Americano atesta que, assim como Oliveira, famílias de afro-descendentes e multi-raciais tendem a ter maiores dificuldades com o cuidado das crianças devido a terem menos acesso ao trabalho remoto ou com flexibilidade de horário.
“O esforço para abrir as escolas certamente fracassarão”. Quem afirma é o pediatra e virologista Peter Hotez, reitor da Escola Nacional de Medicina Tropical do Baylor College of Medicine. “Esperar que crianças cumpram distanciamento social e usem máscaras é fora de realidade. Em comunidades com alta transmissão será inevitável que o vírus entre nas escolas. Após duas semanas da abertura, professores começarão a ficar doentes. Tudo que precisa é apenas um professor adoecer para que tudo feche novamente”, alerta ele.