Uma Cantora sem Fronteiras
Vanuza Ramos
O extinto programa humorístico “Sai de Baixo”, da TV Globo, tinha um bordão clássico popularizado pelo personagem de Miguel Falabella, Carlos Augusto Antibes, que a toda hora exclamava para Magda Luciana Antibes, personagem de Marisa Orth: “Cala a boca Magda!”.
O preâmbulo serve para mostrar que, no nosso caso, a ordem é outra: “Abre a boca Magda! E cante!”. Os moradores do sul da Flórida têm o privilégio de poder ouvir a voz maviosa (fazia tempo que queria usar Maviosa) da goiana Magda Machado, ou simplesmente Maguinha, como é mais conhecida. Ela apresenta-se às sextas-feiras à noite no Tap Tap (819 5th Street, em Miami Beach), um bar e restaurante haitiano. Detalhe: ela canta em creole.
Nos tempos revolucionários – A vocação para se tornar uma cidadã do mundo vem desde cedo. Nascida na cidade de Hidrolândia e criada em Piracanjuba, ambas no interior de Goiás, Maguinha ganhou uma disputadíssima bolsa de estudos concedida pela American Field Services (AFS) – um programa de intercâmbio bastante valorizado. Só para se ter uma idéia, havia 111 candidatos disputando três vagas em Goiás. “A AFS colocava o estudante na casa de uma família, pagava pelos estudos e ainda dava algum dinheiro para a pessoa. Era um programa fantástico”, lembra a cantora.
Coincidentemente, o período em que ela era uma jovem estudante foi um dos mais fervilhantes do século 20: 1967/68. O ano de 1968 foi talvez o mais marcante do século, com atos de protestos nos EUA, Europa e América Latina – com o Brasil sofrendo a dureza do regime militar com o AI 5.
Para quem não é desta época, vale uma explicação: o Ato Institucional nº 5 – conhecido como AI 5 – estabeleceu a censura aos órgãos de imprensa brasileiros e intensificou a repressão aos militantes de organizações esquerdistas que não aceitavam a ditadura militar que imperava no país, em conseqüência do golpe militar de 31 de março de 1964 que depôs o presidente João Goulart. 1968 também foi um ano incandescente nos Estados Unidos. Começava a surgir o movimento hippie, que contestava a participação dos Estados Unidos na guerra do Vietnã, adotando o “paz e amor” como alternativa ao militarismo vigente. Também os liberais americanos protestavam contra a presença dos patrícios no conflito asiático.
Maguinha, é claro, participava ativamente destes protestos, mesmo com a velada reprovação da diretoria da AFS. “Eles não gostavam muito que a gente se envolvesse nestes assuntos, mas nos protegiam porque se sentiam responsáveis pelos estudantes selecionados para o programa. Éramos quase 100 brasileiros e 1.200 do mundo todo. Recebi até mesmo cartas de Martin Luther King e Bob Kennedy”, lembrou.
Drama na volta ao Brasil – O retorno ao Brasil foi chocante. No mesmo fatídico ano de 1968 Maguinha viu a polícia invadir sua casa e levar seu irmão Jacson Jr. para a prisão. Seu pai, Jacson Luiz Machado, militante do Partido Comunista, também foi preso. Começou então uma romaria de Maguinha e sua mãe para encontrar um advogado que pudesse enfrentar a ditadura. “Conseguimos encontrar Rômulo Gonçalves, o primeiro advogado a defender presos políticos.
Entretanto, quando estávamos viajando, sofremos um acidente automobilístico e minha mãe faleceu. Rômulo ficou ferido, mas sobreviveu, enquanto eu sofri escoriações leves”, relembra.
De repente, a jovem viu-se sozinha para cuidar de si e dos irmãos mais novos. Ela articulou com os familiares para que cuidassem dos menores e decidiu retornar para os EUA. Porém, a Polícia Federal insistia em lhe negar o passaporte para sair do Brasil. Em julho de 1970, no entanto, ela obteve o documento e retornou a New York.
“Meu pensamento era trazer todos meus irmãos para cá – o que acabei conseguindo. A responsabilidade me fez escolher não abandonar os estudos, porque gostava muito de estudar”, afirma a cantora.
Carreira artística nos EUA – Maguinha pôde finalmente dedicar-se a fazer aquilo que gosta: cantar. Na verdade, ela já era conhecida na noite de Goiânia, onde cantava nos bares da capital de Goiás. Entre 1970 e 1980, ela dividia seu tempo entre estudar, ser redatora de textos para a Avon Cosméticos (em inglês) e apresentar-se no Feitiço do Village, um bar e restaurante brasileiro que já não existe mais em New York. No CW Post College, ela estudava russo, espanhol e pedagogia. “Foi um período fantástico. Fiz amizade com uns russos refugiados e eles adoravam o modo como eu falava russo. Segundo eles, o português é um idioma foneticamente muito parecido com o russo”, diz Maguinha.
Foi no Feitiço do Village, em Manhattan, que ela foi descoberta por Dom Um Romão, um dos maiores percussionistas do mundo. Romão veio para os Estados Unidos junto com Sérgio Mendes e depois integrou o The Weather Report, um dos mais badalados grupos de jazz da época. Maguinha fez uma turnê com Dom Um Romão e se apresentou até mesmo no Kennedy Center (Washington).
Novo destino: Florença – Depois de um breve retorno ao Brasil, em 1980, quando dividiu seu tempo entre Goiânia, a fazenda de café da família em Ceres (GO) e São Paulo, Maguinha sentiu que se habituara a viver em New York. E morou na cidade até 1986, quando se mudou para a Itália.
Casada com um fotógrafo italiano – depois de se ter separado do marido americano -, mudou-se para Florença, onde viveu de 1986 a 1992. O casamento não durou, mas deixou como frutos um casal de filhos – a menina é hoje bailarina em New York e o menino, que foi ator mirim na Itália, está morando na Flórida e ainda está decidindo que carreira seguir.
Na Itália, Maguinha cantava num bar brasileiro, interpretando clássicos da MPB. No resto do tempo, cuidava dos filhos e trabalhava na produção de filmes e vídeos. “Como falo inglês e italiano, fazia a ligação entre os produtores de comerciais e vídeos em produções realizadas na Europa”, conta a artista.
Ministério da Cultura do Brasil – Toda esta bagagem cultural não poderia ser desperdiçada. Em Brasília, atuou na Secretaria de Áudio-Visual do Ministério da Cultura do Brasil, à época dirigido por Antonio Houaiss. Como entendia bastante desta área, Maguinha foi convidada para esta função. E desempenhou tão bem que continuou no cargo após a troca de ministros, com Gilberto Moscardo assumindo a pasta. E permaneceu ainda quando Moscardo foi substituído por Luiz Roberto Nascimento e Silva. “O Barretão (Luiz Carlos Barreto) sempre pedia para os ministros para eu continuar, porque conhecia a dinâmica da Lei Rouanet”, explica.
Um convite para trabalhar na Califórnia a trouxe de volta aos Estados Unidos. De lá para a Flórida, foi um passo. Aqui, atuou na direção de atores para dublagem, foi tradutora e, claro, cantora. Gravou com músicos de primeira qualidade como Ary Piassarolo, Ivo Carvalho e Paulo de Carvalho – os dois últimos a acompanham em shows pelo sul da Flórida, onde vive há nove anos.
Discos gravados – Maguinha gravou três discos e está lançando seu disco mais recente, batizado de “Earth and Sky”. O CD é uma coletânea de clássicos da MPB, cantados em português. Mas a própria Maguinha fez questão de traduzir as letras para o inglês, a fim de que os estrangeiros possam compreender o significado das canções.
Entre os músicos que a acompanham neste disco está Kanut, um engenheiro norueguês que toca muito bem clarineta. Kanut é o atual marido de Maguinha e a pessoa com quem ela divide suas emoções e seu amor.
Ela pensa no seu próximo projeto: lançar um disco com composições próprias. Maguinha tem uma coleção de poemas feitos no decorrer de sua vida. “Acho que chegou o momento de mostrar o meu trabalho. Só preciso entregar os poemas a alguns músicos para que coloquem melodia”, revela.
Quem quiser adquirir algum dos discos de Maguinha pode acessar o site www.cdbaby.com ou o próprio website da artista www.maguinha.com, que está em fase final de construção ou assisti-la ao vivo no Tap Tap Bar.
O incrível é que a inquieta Maguinha envolveu-se em outra atividade. Ela é uma das diretoras do conselho do Film Recording & Entertainment Council (FREC), entidade formada há pouco mais de um ano que congrega artistas de várias tendências e que quer tornar o sul da Flórida como o lugar ideal para produções artísticas de todos os níveis.
É mesmo difícil descobrir onde cabe tanta energia na pequena Maguinha…