Um dos aspectos “mais sérios” da lei é o presidente dos EUA ter poder “para declarar qualquer um, inclusive os próprios americanos, como inimigo combatente ilegal”
A Lei de Comissões Militares dos Estados Unidos contém partes incompatíveis com as obrigações internacionais de Washington e com os direitos humanos, afirmou nesta sexta-feira o analista da ONU para os Direitos Humanos e a luta antiterrorista, Martin Scheinin.
Scheinin, em comunicado distribuído nesta sexta-feira em Genebra, criticou o fato de o debate parlamentar nos EUA sobre essa legislação ter sido “relativamente rápido, levando em conta seu potencial impacto” e assinalou que, embora o Congresso tenha introduzido algumas emendas, continua tendo “provisões incompatíveis com a lei humanitária Internacional”.
No último dia 17, o presidente George W. Bush assinou a chamada Lei de Comissões Militares, que autoriza duros métodos de interrogatório e cria tribunais militares para julgar suspeitos de terrorismo, como os que estão detidos na base naval de Guantánamo (Cuba).
O analista da ONU lembrou que diferentes ONGs americanas e internacionais foram igualmente críticas em relação a essa nova Legislação.
“Acho que é importante que eu expresse em público minhas preocupações com essa lei, já que os EUA assumiram a liderança na luta contra o terrorismo desde os ataques de 11 de setembro de 2001” contra Washington e Nova York, disse Scheinin.
Além disso, ressaltou que outro elemento preocupante é que “alguns Governos vejam em alguns pontos dessa legislação um exemplo a seguir em suas (próprias) lutas nacionais contra o terrorismo”.
Scheinin disse que alguns elementos da lei “contradizem os princípios universais e fundamentais sobre o direito a um julgamento justo e a um processo baseado nas Convenções de Genebra”.
O analista disse que um dos aspectos “mais sérios” desta legislação é que o presidente dos EUA tenha o poder “para declarar qualquer um, incluindo os próprios americanos, como inimigo combatente ilegal”.
O relator da ONU alertou que esse termo não é reconhecido pela lei humanitária internacional, e que isso significa que esses detidos são sujeitos a ficar sob jurisdição de uma comissão militar.
“Além disso, o alcance dos delitos a serem julgados por essas comissões militares é muito mais amplo do que a Convenção de Genebra estipula em matéria de crimes de guerra”, especificou.
Scheinin acrescentou que essa legislação antiterrorista americana “está em contradição” com a Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, já que “nega aos cidadãos não-americanos, incluindo os residentes legais, que estejam sob custódia legal dos EUA, o direito a questionar essa legalidade e a solicitar um habeas corpus com efeito retroativo”.
O analista criticou que a Lei de Comissões Militares negue o direito a apresentar provas de culpa se forem consideradas como informação classificada, o que por sua vez impede um julgamento justo.
Scheinin assinalou que em setembro de 2005 já havia expressado por carta ao governo Bush sua disposição a colaborar para que as medidas que os EUA adotassem na luta antiterrorista fossem conformes à legislação humanitária internacional.
Em julho deste ano, Scheinin pediu formalmente a Washington autorização para visitar o país para realizar uma avaliação sobre a legislação antiterrorista e as práticas contrárias à legislação internacional, mas não recebeu resposta da Casa Branca.
O analista da ONU também expressou sérias preocupações com a proteção dos direitos humanos nos EUA em relação à lei antiterrorista denominada Lei Patriota, a legislação e políticas sobre imigração, os centros de detenção secretos da CIA e os vôos realizados com prisioneiros a terceiros países, entre outros Aspectos.
O presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), Jakob Kellenberger, já havia assinalado na semana passada que a nova lei americana “atenta contra a integridade” do direito humanitário internacional, estabelecido pelas Convenções de Genebra.