DA REDAÇÃO, com Education Blog (Eline de Brujin) – Larissa Martinez passou a maior parte da vida escondendo dos colegas da High School McKinney Boyd, na cidade de McKinney (Texas), a condição de imigrante irregular nos Estados Unidos. Mas planejou durante anos o momento certo para a revelação. Como melhor aluna da escola, Larissa foi a responsável pelo discurso de formatura do ano letivo, na sexta-feira passada (3). No próximo ano, ela estará em Yale, onde conseguiu uma bolsa integral.
Pouca gente sabia do segredo antes dos milhares que assistiram ao discurso. Larissa disse que queria chamar atenção para o fato de que os imigrantes estão “tentando fazer a coisa certa, mas não sabemos como”, por causa de um sistema imigratório falido. Ela está há sete anos esperando pelo seu pedido de legalização.
“O mais importante no debate, e o que menos se dá atenção, é o fato de que os imigrantes, indocumentados ou não, também são gente,” disse Larissa. Pessoas com sonhos, aspirações, esperanças e entes queridos. Pessoas assim como eu.”
Larissa veio do México com um visto de turista, seis anos atrás, junto com a mãe e uma irmã pequena, em busca de uma vida melhor, longe do pai alcoólatra e abusivo.
Os imigrantes “tornaram-se parte da sociedade e do modo de vida americano”, disse a jovem no discurso. “Eles anseiam por fazer a América grande novamente, mas sem muros erguidos sobre ódio e preconceito.”
Larissa ganhou uma bolsa integral para Yale através do QuestBridge, um programa que conecta alunos excepcionais de famílias de baixa renda com universidades de ponta.
Ela diz que decidiu revelar a condição durante a cerimônia de formatura porque concluiu que aquela seria uma oportunidade de falar para uma grande plateia e conseguir assim chamar mais atenção para o seu caso e de tantos outros. Larissa diz ainda que sua condição sempre foi uma motivação a mais para buscar boas notas na escola. Ela foi a melhor aluna da escola desde o primeiro ano de matrícula.
“Eu pensei e disse para mim mesma, ‘Você tem que ir em frente, porque é isso que você vai falar no seu discurso’”, disse. “Podia contar para os colegas, um por um, mas achei que poderia alcançar mais pessoas quando estivesse no púlpito.”
Discurso pouco tradicional
“Eu sou um dos 11 milhões de imigrantes indocumentados dos Estados Unidos vivendo nas sombras”, disse Larissa no discurso.
O professor de Estudos Sociais da escola, Scott Martin, disse que ele e Larissa começaram a conversar sobre o discurso anos antes dela subir de beca ao púlpito.
“Eu disse para ela. ‘Se você for a primeira aluna da escola, quero que vá lá e faça um discurso que fuja à tradição,’” disse Martin, por três anos professor de Larissa. “Eu disse, ‘Tenho muita esperança de que você conte tudo para todo mundo.’”
Três semanas antes do discurso de formatura que lhe rendeu aplausos de pé, ela mostrou um rascunho para Martin. Ele chorou enquanto lia.
“Sei que isso é uma questão política,” disse Martin, que não pôde comparecer à cerimônia. “Só gostaria que as pessoas entendessem a perspectiva do professor. Quando esses alunos entram na nossa sala de aula, devemos amá-los e ensiná-los como qualquer outro aluno. Quando vejo alunos que têm pouco fazerem muito, isso me toca profundamente.”
Até agora Larissa não ouviu nenhum comentário negativo sobre o discurso, mas ela sabe que é bem provável que eles cheguem.
“Sei quem eu sou e sei quem é minha família. Honestamente, nada que se diga vai me fazer mal,” diz Larissa. “Fico triste ao ver ignorância e racismo nos comentários porque pensei que isto havia acabado na América. Fico triste ao saber que as pessoas realmente acreditam naquilo que estão dizendo.”
A jovem agradeceu à mãe, Deyanira Contreras, por tudo que ela fez para que Larissa chegasse onde chegou.
“Enquanto pais e mães movem montanhas metafóricas para os seus filhos, você moveu países inteiros por mim e por minha irmã,” disse no discurso. “Todo o sacrifício que você fez foi por nós. Eis porque tudo o que eu faço eu faço por você.”
Agarrando-se àquilo que acredita
Quando chegou aos Estados Unidos em 2010, Larissa chegou à conclusão que uma boa educação poderia ajudar a ela e sua família, especialmente se ela conseguisse chegar em universidades como Yale. Ficou sabendo que conseguiu uma bolsa integral em dezembro, e retirou todos os outros pedidos pendentes.
No verão antes do sétimo ano letivo, ela tinha acabado de chegar ao Texas, e começou a ler vários livros da biblioteca. Quando começaram as aulas, a leitura de verão a ajudou, e um mês depois ela já pulava da turma de inglês como segunda língua para a turma normal, e daí para o inglês Pre-AP.
“Graças ao apoio da família sempre gostei da escola. E àquela altura cheguei à conclusão de que a escola era a única maneira pela qual eu poderia alcançar alguma coisa na vida. Isso me deu mais motivação e continuei trabalhando com esse objetivo,” conta Larissa.
Larissa achava que alguns dos colegas poderiam esperar pouco dela, por isso teve de se “esforçar ao máximo para mostrar-lhes que eu poderia ser mais e não o que eles pensavam que eu fosse.” Alguns colegas se mostravam indecisos sobre o assunto imigração nos EUA. Quando ela os conhecia melhor, revelava a eles a sua condição.
“Eu não sou o que eles pensam o que eu seria, baseado em seus estereótipos,” diz a jovem. “É um alívio poder finalmente falar tudo e saber que há pessoas que estão se inspirando no meu discurso.”
O assunto imigração vez por outra aparecia durante as aulas, e Larissa diz que não fugia dele.
“Eu sustentava meu ponto de vista sem retroceder, e acho que valeu a pena,” diz.
Larissa sofre com o fato de estar irregular. Por exemplo, teve que pegar um trem para Yale, em vez de um avião. Decidiu pela viagem de trem depois que ouviu a história de um aluno de Harvard que foi ameaçado de deportação ao voar para San Antonio.
Ela não acha que seu discurso terá um impacto negativo na sua experiência em Yale, por causa do clima do campus e do fato que os alunos em geral aceitam bem esse tipo de situação.
“Eles não precisam concordar comigo, OK. Mas sinto que será um ambiente de respeito, com toda certeza,” diz a jovem.
Larissa quer ser neurocirurgiã, e pretende continuar envolvida com os movimentos políticos pela reforma imigratória. Sua atuação na área médica também será uma plataforma para ela lutar para que pacientes não fiquem sem atendimento por causa da sua situação imigratória.
Ela diz que a mãe, que trabalha num restaurante, tem artrite reumatoide e tem encontrado dificuldades para se tratar.
“Honestamente, quero salvar vidas, e acho que não há maior presente do que a possibilidade de oferecer mais tempo para as pessoas passarem ao lado de quem elas amam,” conclui a jovem.