O descaso com a saúde dos detentos nas prisões onde milhares de imigrantes indocumentados aguardam deportação, vai além da péssima qualidade das refeições e da ausência de colchões e cobertores. A falta de distanciamento social, higienização e testes em detentos e funcionários, provocou um aumento descontrolado de contaminações de covid-19.
Imigrantes foram deportados em voos fretados para diversos países, incluindo o Brasil, sem que testes sejam conduzidos para determinar se foram contaminados nas prisões. Sem um controle rigoroso nos aeroportos brasileiros, o vírus continua a se espalhar.
Reportagem da revista Palabra, em parceria com a Folha, revelou casos como o do mineiro de Governador Valadares Paulo Passos, 39, que se contaminou na Otero County Processing Center no Novo México, no início de maio. Segundo Passos, outros brasileiros também estavam entre os contaminados. Ele revelou que somente após vários dias do primeiro caso aparecer é que máscaras foram distribuídas entre os presos e que o distanciamento social era praticamente impossível.
Com um histórico de bronquite, Passos disse que temeu pela sua vida caso contraísse o vírus, porém os sintomas foram leves. Depois de seis meses detido, ele foi deportado em 9 de junho em um dos voos fretados pela imigração americana.
O número elevado de contaminação nas prisões ganhou destaque nacional com a explosão de casos em Adelano Detention Center, na Califórnia. Mais de 81 casos foram confirmados, incluindo três funcionários. Dezesseis presos foram hospitalizados.
Na terça-feira, 13, um juiz federal de Los Angeles, ordenou que a administração da penitenciária reduzisse o número de detentos, permitindo assim a realização de distanciamento social. No despacho, o juiz também determinou que seja realizado testes semanais de Covid-19, que os guardas usem máscaras quando em contato com os presos e que seja fornecido material de limpeza aos detentos sem nenhum custo.
As medidas de prevenção nas prisões, entretanto, não são replicadas nos voos que levam os imigrantes deportados. Segundo Passos, durante o voo para Belo Horizonte, apesar de eles terem recebido máscaras, eles foram colocados um ao lado do outro, mesmo com poltronas vazias no avião. O banheiro não tinha água para eles lavarem as mãos. “Eles mediram a nossa temperatura antes do embarque, mas as pessoas assintomáticas e que não apresentam febre alta, não levantaram suspeitas”, disse.
A chegada revelou a falha na prevenção da entrada de pessoas contaminadas em solo brasileiro. Nenhum dos passageiros foram questionados quanto à saúde, sendo liberados para os seus destinos logo em seguida.
Ainda de acordo com a reportagem, o mesmo procedimento foi observado em outros voos fretados com imigrantes deportados dos EUA.
A Imigração implantou novos procedimentos para os imigrantes recém deportados. Alguns foram testados para Covid-19, tiveram a temperatura medida antes e durante o voo. Mesmo com as novas medidas de segurança, entidades independentes constataram que presos contaminados foram embarcados pelo menos para outros nove países além dos Brasil.
A região de Governador Valadares, cidade onde uma parcela grande da população está ou já esteve nos EUA, pode ter visto o número de Covid-19 acelerar com a chegada de imigrantes que passaram pelas prisões nos EUA durante o auge da contaminação. Atualmente a cidade mineira registra 7,598 casos confirmados e 262 mortes para uma população de 145,000 mil habitantes.
De acordo com o Departamento de Estado Americano, mais dos 37,000 imigrantes da América Latina e Caribe foram deportados entre março e o meio de junho, 220 testaram positivo para o Covid-19. Entre eles os contaminados, 190 pessoas eram do Brasil, Colômbia, Equador, México, Jamaica e Haiti.
Após a eleição de Jair Bolsonaro, o Brasil passou a permitir os voos fretados pelo Departamento de Imigração para deportação em massa. A prática estava proibida desde 2006. Eduardo Bolsonaro disse em viagem a Washington em março do ano passado que os “imigrantes ilegais eram uma vergonha para o Brasil”. Desde então a quantidade de brasileiros presos atravessando a fronteira entre o México e os EUA saltou de 1,600 em 2018 para 18,000 em 2019.
Entre outubro de 2019 e agosto de 2020, 1,789 brasileiros foram deportados dos EUA. Neste mesmo período, 18 voos fretados chegaram a Belo Horizonte. Mesmo durante a proibição de voos devido à pandemia, 15 voos chegaram no Brasil desde março.