Viajei para mergulhar na Austrália há alguns anos, e fiquei na casa de meu amigo Wayne em Adelaide, no Sul da Austrália. Após uns dias iríamos mergulhar em Edithburgh, a esposa de um amigo do Wayne que havia falecido uns anos antes iria emprestar a casa de praia deles que estava vazia.
Na noite anterior da viagem ao preparar o equipamento e as malas, a esposa do Wayne, Nadine, me deu um travesseiro e lençóis com instruções expressas: “coloque o lençol sobre a cama, mas não mexa na colcha e lençóis que estão lá, coloque por cima de tudo”. Eu fiz cara de não ter entendido, e ela percebendo emendou “você vai entender o porquê”. Tá bão então….
Saímos bem cedo e nos encontramos com outro amigo do Wayne que iria mergulhar conosco, era uma viagem longa e os dois diziam que tínhamos que chegar antes de anoitecer de qualquer forma. Ao chegar lá, entendi: a casa não era habitada há uns cinco anos ou mais, não tinha energia elétrica, janelas todas quebradas, telhas faltando… enfim, um palácio! Entramos pela cozinha–estava imunda, a mesa parecia que tinha ração de cachorro espalhada em cima. Olhei de perto e vi que era cocô de ratos, e pela quantidade daria para fazer uma escavação arqueológica por camadas. Teias de aranha por todo lado, e dentro do único banheiro da casa havia dezenas de aranhas enormes nas paredes. Abri a torneira da banheira para ver se ao menos havia água – necas, saiu um fio de lama enferrujada. Bem, seria apenas uma noite, C’est la Vie.
Os dois sacanas só ficavam esperando por minhas reações – eles já sabiam que a casa estaria assim. Com aquela cara de viajante experiente, disse que já havia ficado em lugares piores (mentira, mas não ia dar o braço a torcer). Ao anoitecer fomos para a sala com as lanternas, e lá comemos alguns sanduiches, bebemos umas cervejas e conversamos até a hora de dormir. Eu ficaria com um dos quartos e eles dormiriam na sala. Questionei porque não iam ficar em outro quarto em frente ao meu. “Ah, esse quarto é trancado e nunca foi aberto depois que meu amigo morreu, dizem que é mal assombrado”. Eu ri, e disse que perto das aranhas e ratos, eu só iria me incomodar com um fantasma se ele roncasse à noite. (estraguei o barato deles, acharam que eu ia pedir para dormir em outro lugar!)
Entrei no quarto para arrumar a cama e lembrei-me do que a Nadine disse. Acho que nem se eu quisesse tirar a colcha e os lençóis não iria conseguir. A umidade do mar somada às goteiras do telhado, junto com as fezes dos ratos transformaram a cama e os lençóis em um bloco só. Coloquei minha mala em cima de uma cadeira – e a lacrei bem para que nada entrasse lá. Havia uma cômoda no canto, lotada de cocô de rato e com algo que parecia ser uma barra de sabonete meio roída por eles. Estendi o lençol sobre a cama, coloquei o travesseiro e deitei. Na realidade acho que eu levitei sobre a cama. Não demorou muito para eu começar a ouvir o barulhinho de patas no chão. Sabia que não era o Mickey Mouse nem o Topo Gigio, só rezava que não fosse o Remy do Ratatouille procurando por ingredientes para fazer um prato (Mordiscadas de Pé de Marcus). Ainda bem que tomamos um monte de cervejas, apaguei e só acordei pela manhã com um raio de sol no meu rosto vindo de um furo no teto.
Quando conto essa história me perguntam por que eu não dormi no carro. Primeiro que estava um calor infernal e eu iria sufocar, depois eu não daria a chance para os dois para zoar com a minha cara no dia seguinte! Fingi que nem tinha ligado para nada e que havia dormido feito uma pedra – e acho que dormi mesmo, não me lembro de nada. Ou meu cérebro apagou tudo por autodefesa, se tivesse pensado muito eu nem dormia!