Marcus Coltro

Feira

Pastel de feira

Minha empregada que fazia feira em casa e como ela foi embora faz tempo, achei que seria bom acrescentar algo mais no cardápio além de Miojo e dos congelados, então há uns meses comecei a frequentar a feira da Aclimação, aqui em São Paulo.

Lembro de um episódio ocorrido há muitos anos, quando “feira” ainda devia ser escrito com ph. Meu irmão e eu fomos fazer as compras no lugar de meu pai que estava doente – minha mãe pediu várias coisas que anotamos em um papel. Compramos as frutas e algumas verduras na lista, mas ao chegar em “abobrinha” um olhou para o outro com cara de “que cuernos é abobrinha?”. Tivemos que perguntar a um feirante…. Hoje seria muito mais fácil, eu olharia no Google antes de ir comprar qualquer coisa que não conhecesse.

Há uns dias a Bianca havia convidado sua amiguinha Heloisa para comer em casa, então precisei fingir que fazia pratos variados e nutritivos, inclusive salada. Fui à feira cedo no sábado, comprei folhas verdes, verde-escuras, verde-claras e verde-rajadas (é, ainda não sei os nomes). Lavei–tipo, um chuáááá na torneira–e coloquei em uma travessa. Até comprei uma que era sei-lá-o-quê hidropônica! Se era algo cultivado em água já estava limpo! Só que não. A primeira reação da Bianca foi “pai! Tem bicho na salada!” ao que respondi que era tempero, que eu havia lavado, que era hidropônica, e falei para ela comer e não me encher a paciência. Comemos todos a salada, e o que sobrou fomos comer no dia seguinte – putz, não é que tinha bicho mesmo? Estavam todos lá, alguns ainda se mexendo.

A Bianca gosta de frutas – e pelo menos isso eu sei comprar, contanto que não me peçam subespécies de banana, laranja e outras frutas. Banana-prata, ouro, cobre, latão, sei lá o que diferencia o metal de uma da outra. Mexerica eu sei que tem grande, pequena, e a variedade com-casca-difícil-de-tirar que eu não compro por preguiça. Com o tempo fui aprendendo algumas coisas úteis, por exemplo que se quiser comer maracujá doce eu tenho que pedir o doce, não adianta colocar açúcar no azedo que não fica igual. Que quando comprar ovos na feira não se deve colocá-los no porta-malas embaixo da melancia. Que se deve amarrar os sacos que colocar no chão do carro, ou ao menos ter certeza de que alguma coisa não rolou para baixo do banco – depois de uns dias aquilo pode deixar seu carro impregnado com um perfume difícil de sair.

A feira dos sábados da Aclimação é uma das melhores da região – de acordo com a prefeitura, o bairro na realidade faz parte da Liberdade, então tem muitos orientais que por natureza são muito exigentes quanto à qualidade da comida. As barracas de peixes vendem bandejas com cortes variados de sashimi, tem barracas com doces e conservas orientais, inclusive uma que vende um doce que eu adoro, um bolinho de feijão-azuki, preparado na hora por um casal de velhinhos japoneses. Outra vantagem dessa feira é que ela é feita em ruas íngremes, a gente pode fazer compras e exercício ao mesmo tempo!

Passear entre as barracas é sempre interessante – exceto quando está muito cheio de gente, aí não dá nem para andar, principalmente quando passam com aqueles carrinhos de feira de metal batendo em tudo e todos. E tem a gritaria típica dos feirantes, que apesar de terem proibido continua igual. Todos que passam eles tentam chamar a atenção de alguma forma. Quando eu passo geralmente gritam algo do tipo “olha a laranja barata, garotão!”. Eu até me sentiria lisonjeado pelo “garotão” se não fosse o fato de exclamarem “mulher linda não paga” para algumas que parecem o Charles Bronson sem o bigode.

Notei que existe uma certa “rivalidade” entre as áreas da feira – cada lado tem seus clientes fixos que raramente vão para o outro lado. Até eu acabei criando fidelidade com uma das barracas de frutas e só compro lá. No sábado nem tomo café da manhã em casa (ok… nem nos outros dias da semana), o pessoal da barraca de frutas já me conhece pelo nome e me dá um monte de pedaços para provar. Essa fidelidade cria uma intimidade que nos permite pechinchar sem ofender, mesmo quando dizemos algo do tipo “Quanto?? Tomou pinga no café da manhã???”. Só não pode pechinchar o tempo todo, senão eles acostumam e já dizem um preço maior sabendo que você vai choramingar para abaixar.

Apesar da feira ser relativamente pequena, tem quatro barracas de pastel praticamente uma em cima da outra, que ficam lotadas até o fim da feira. Quando estou sem a Bianca é lá que eu almoço um pastel junto com calda de cana – ainda bem que eu não ligo toda essa superstição de calorias, colesterol e infarto…. Todas as vezes fico impressionado com a agilidade deles. “Um de carne, dois de queijo, um de carne seca para viagem, três de pizza, um de salame, cobre 15 reais daquele senhor de azul, 12 daquela menina do canto….” e eles nunca erram! Devem possuir um sexto sentido, já que eu não vejo diferença alguma entre os sabores – talvez haja um corte ou dobra que os identifica, mas os separam com tanta rapidez que é inacreditável não errarem! Eu não ia conseguir trabalhar lá nem um dia, provavelmente iria errar todos os pedidos, e ainda mandar um Big Mac no meio.

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