Da primeira vez que Esterliz e eu tivemos o prazer de ir à casa de Leila Cordeiro e Eliakim Araújo, em Pembroke Pines, fomos barrados no portão do condomínio onde eles moravam. Impassível, a moça da segurança dizia que não havia nenhum Mr. Araújo na casa onde queríamos ir. Surpreso, liguei para Eliakim e relatei o problema.
Do outro lado da linha, uma voz de trovão, impostada e grave como a de quem anuncia uma revolução no Jornal Nacional, respondeu:
— Mas que filha da p***!
Descobrimos por fim que o nome que deveríamos dizer era “Pereira”, o último sobrenome do nosso amigo. Por isso a moça não encontrava nenhum “Araújo” na lista de moradores. Nunca me esqueci de como um palavrão poderia soar tão impressionante e imponente.
Não podia ser diferente, porque Eliakim Araújo era uma figura imponente, com o vozeirão de noticiário escapando naturalmente do corpo alto e forte. Tinha uma personalidade que os americanos costumam chamar de “larger than life” — maior que a própria vida. Dono de um senso de humor peculiar, guardava sempre uma piada ou um sarcasmo prontos para qualquer situação, que acabavam ganhando proporções bíblicas no seu vozeirão, aumentando-lhes ainda mais a graça. Carisma, elegância e bom humor faziam com que ele se tornasse uma sensação imediata em qualquer lugar onde chegasse.
Gostava de vinhos, do seu Vasco da Gama e dos jogos do Miami Heat. Mas sobretudo amava profundamente a companheira Leila Cordeiro, para quem repetia declarações de amor a toda hora e em qualquer lugar. Amava também os filhos, dedicando o melhor do seu caráter na educação deles.
Durante a minha juventude, na nossa casa éramos leitores fiéis do Jornal do Brasil. Eram tempos de ditadura militar. O JB, driblando na medida do possível a implacável censura que assolava as redações da época, era o jornal combativo que restava, a voz mais eloquente que desafiava o arbítrio na defesa pelas liberdades básicas roubadas pela ditadura. E Eliakim Araújo para nós era a voz do JB no rádio, a personificação auditiva de tudo que representava então o grande jornal. Acabou a ditadura, Eliakim deixou de ser apenas uma voz e tornou-se uma figura viva na tela da nossa TV, primeiro sozinho, depois dividindo a bancada com sua amada Leila Cordeiro, em tantos e tantos noticiários. Sempre com elegância, imponência e correção.
Anos depois, quando tive o privilégio de conhecê-lo nos Estados Unidos, conferi com alegria que Eliakim em pessoa era justamente o que aparentava ser a sua voz. Um homem extremamente correto e íntegro, que não fez jamais concessões às suas convicções pessoais de ética e justiça. Lutou por essas convicções à frente do seu “Direto da Redação”, um website opinativo que comandou em anos recentes, onde muitos de seus antigos colegas de JB e de outras mídias colaboravam, e jamais abriu mão ali da defesa dos seus ideais libertários e de justiça social. Foi um dos poucos corajosos que, na contramão da maioria de seus conterrâneos em Miami, apoiou o governo eleito de Dilma Rousseff e denunciou o golpe que o derrubou.
Falei com Eliakim pelo telefone duas semanas antes de sua morte, na véspera do começo do tratamento contra o câncer que o levou. Nada em sua voz mostrava desânimo. A mesma força, o mesmo otimismo de sempre continuavam intactos. Uma voz na qual a notícia importante em cadeia nacional soava com a mesma gravidade que um simples anúncio da batida em um jogo de cartas, como tantos que jogamos em nossas casas.
É assim que a voz forte de Eliakim Araújo vai ficar para sempre registrada na minha memória.
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