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Eleição de Trump traz incerteza e temor para comunidades latinas em todo país

Contradições no discurso do presidente eleito deixam imigrantes sem saber como será o seu futuro no próximo governo

DA REDAÇÃO, COM CHARLOTTE OBSERVER – Incerteza. Essa é a palavra mais ouvida nas vizinhanças latinas de Charlotte (NC), nas suas igrejas, salões de beleza, pontos de ônibus e até dentro das casas.

“Estamos num limbo. Não sabemos o que vai acontecer”, diz Sugey Garcia ao jornal local Charlotte Observer. Sugey conta que ela e o marido fugiram da pobreza e da violência das drogas em El Salvador há dez anos. Desde então vivem responsavelmente – embora irregularmente – nos Estados Unidos, pagando impostos e sustentando os dois filhos com o salário de motorista de caminhão do marido.

Annabel Manning, artista e ativista dentro da comunidade latino-americana local, diz que os muitos imigrantes na cidade estão “em choque… As conversas são melancólicas. Muito choro, medo e incertezas”.

Cerca de 140 mil pessoas que vivem no condado de Mecklenburg são imigrantes, de acordo com os dados mais recentes do US Census (2013), sendo pelo menos a metade proveniente da América Latina. No estado da North Carolina, eles são cerca de 400 mil, de acordo com uma estimativa de 2011 do departamento de Homeland Security.

A eleição de Donald Trump teve o efeito de um terremoto nas vizinhanças latino-americanas, onde cresce o temor com a possibilidade de deportações em massa e famílias separadas. As declarações contraditórias de Trump só têm servido para causar mais confusão.

Durante a campanha, ele prometeu deportar todos os cerca de 11 milhões de imigrantes vivendo irregularmente nos EUA,  erguer um muro na fronteira com o México e revogar todas as ordens executivas do presidente Obama que protegem centenas de milhares de jovens imigrantes da deportação. Trump pareceu aliviar o discurso numa entrevista ao ’60 Minutes’, uma semana após a eleição, afirmando que pretende apenas deportar criminosos.

Mas isso não ajudou a acabar com o medo nas ruas de Charlotte. E nem toda ansiedade vem de comunidades latinas.

Uma mulher de 42 anos nascida na República Checa, que não quis fornecer o nome para o Observer, disse que mora no país há quinze anos, sem documentos. Ela esperava legalizar-se nos próximos anos (o marido vai poder naturalizar-se em dois anos). Agora, ela diz que tem “medo que alguma coisa mude”.

Líderes da comunidade latino-americana na cidade foram às redes sociais e promoveram encontros durante as duas semanas passadas, recomendando calma e esperança para as pessoas, mas que elas fiquem atentas às notícias. Os advogados de imigração dizem que estão abarrotados de clientes fazendo as mesmas perguntas, às quais eles dão o mesmo conselho. As manchetes dos jornais comunitários em espanhol diziam “Famílias hispânicas devem enfrentar o medo com união” e “Um novo começo: A chegada de Donald Trump à presidência é um alerta para a comunidade hispânica retomar o ativismo e repensar seus métodos de defesa para os imigrantes.”

“Estou tão deprimida que mal consigo falar nisso”, diz a salvadorenha Garcia ao Observer. O pior de tudo é perceber o medo contido na voz de seu filho de 9 anos, depois de ouvir dos colegas na sala de aula repetindo que “seus pais vão ser deportados”.

“Voltar para El Salvador, onde não há futuro para os meus filhos, não é uma opção”, diz a imigrante.

A advogada de imigração Catherine Lafferty Magennis escreve regularmente para o jornal La Noticia, publicado em espanhol. Esta semana, ela rascunhava um texto com o título “Saiba seus direitos: Preparando-se para a presidência de Trump.”

“Há algumas coisas que podem mudar da noite para o dia, com ordens executivas, e temos de nos preparar para isso. Já falei com todos os meus clientes que acho que podem sofrer durante os cem primeiros dias de governo”, disse a advogada ao Observer.

O recado é principalmente para os beneficiados pelo programa DACA de Obama.

O DACA permite que os imigrantes irregulares que chegaram quando crianças aos EUA paguem uma taxa e obtenham autorizações de trabalho, e ainda os protege da deportação. Foi instituído a partir de uma ordem executiva e é supervisionado pelo departamento de Homeland Security, significando que, segundo alguns especialistas em imigração, pode ser exterminado rapidamente pelo próximo governo. Trump disse durante a campanha que vai revogar as ordens.

Não está claro o que Trump define como “criminoso”. Hoje, alguns imigrantes irregulares que cometem infrações estão sendo deportados de cumprir suas sentenças, diz a advogada, mas outros podem ganhar a legalidade posteriormente se, por exemplo, casarem com um cidadão.

Muitas das propostas de Trump “precisariam de mudanças na lei atual e nas regulamentações”, diz ela ao Observer, “e não podem ser definidas poe ordens executivas. Elas levam tempo. É ainda há a possibilidade de uma reforma imigratória intergral. Não está descartada.”

Marcer Cauley, outro advogado de imigração, tem um temor diferente. Ele disse ao jornal de Charlotte que os imigrantes podem tomar decisões aconselhados pelos “papeleiros”: consultores informais de imigração sem licença para atuar que fazem promessas fazias de green cards e legalizações em troca de milhares de dólares.

“Não tome decisões a partir do medo”, ele aconselha aos clientes. “Não sabemos o que vai acontecer. Há tempos para medo e receio… (mas) nós vamos lhes dizer quando chegar essa hora.”

Jessica Contrera chegou do México com cinco anos de idade. Hoje, aos 21, ela é trabalha como assistente legal, graças ao DACA. Ela disse que tem organizado reuniões comunitárias para ajudar às pessoas a ficarem informadas, e para aliviar a própria ansiedade.

“Graças ao DACA pude ajudar tremendamente a minha família, porque o programa nos trouxe uma sensação de segurança. Trabalhar legalmente, ter uma carteira de motorista… Por enquanto estamos seguros – ou pelo menos eu estava segura”, disse a mexicana ao Observer.

A família contava com a extensão do DACA se Hillary tivesse sido eleita. “Agora, estamos preparados para tudo.”

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