E o ninho se esvaziou… A Bianca foi estudar no Canadá, e se der tudo certo pretende ficar por lá. Ainda não sei exatamente como pagarei os estudos (aliás, alguém quer comprar um rim pouco usado? Não vendo o fígado, deve estar meio baleado…), pelo menos ela irá trabalhar para ajudar com as despesas assim que vida voltar ao “normal”.
Não é exatamente uma época boa para se viajar e morar fora, mas ela recebeu mensagem da universidade de que o visto havia sido aprovado e que as aulas iniciariam em janeiro. Nós corremos com as reservas do voo e do hotel–teve que ficar 14 dias em quarentena, e assim que chegou o pessoal da universidade foi buscá-la no aeroporto para levar ao hotel.
A quarentena lá é levada muito a sério, ela não pôde sequer pisar fora do quarto depois de se instalar. As multas são pesadíssimas para quem desrespeitar – a universidade e representantes do governo ligavam duas vezes por dia para confirmar se ela estava no quarto. E mesmo tendo uma varanda, ela não podia sair – a temperatura estava na casa dos 30 graus Celsius negativos…
Ela irá alugar um apartamento e dividir com sua melhor amiga, que já mora lá faz tempo. Será um tratamento de choque de vida adulta que um dia todos nós enfrentamos. Quando começamos a morar sozinhos fazemos descobertas impressionantes: “como assim tem que pagar tantas contas todo mês?”, “uai, na casa de meus pais minhas roupas apareciam lavadas e dobradas no armário….”, “tem que comprar comida no supermercado de novo?”, “como é possível ter tanto lixo todo dia?”, “quem deixou essa luz acesa??? Está achando que sou sócio da Light?” (sim, sou velho)
Na realidade, a Bianca teve um treinamento de quase dois anos na Itália, morou sozinha em um apartamento pequeno no terreno da casa que meu irmão e eu alugamos lá.
Ela cuidava de tudo, compras, lavagem das roupas, limpeza da casa, etc. – só não pagava as contas – essa é a parte mais dolorida de virar adulta. Terá que controlar centavos de seu orçamento em ordem de poder viver relativamente tranquila.
E eu por enquanto estranho muito o fato de ela não estar comigo o tempo todo no apartamento. Chego em casa do escritório e fico esperando-a vir correndo para me abraçar, perguntar como foi meu dia e dizer que me ama! Ah, espera, isso eu vi em um filme, isso não acontecia em casa.
Quando me divorciei ela tinha três anos, e por um período dividi a guarda com minha ex, ela ficava na casa de cada um por uma semana. Com o passar dos anos, veio morar comigo definitivamente, ia à casa da mãe com menos frequência. (é mais fácil dobrar o pai que a mãe….).
Apesar de ela só ter ido para o Canadá há algumas semanas, eu ainda acho que ela está em casa, e ao fazer compras fico tentado a ligar e perguntar o que ela quer comer no jantar. Bom, essa parte é uma vantagem, eu não preciso mais esquentar muito a cabeça para pensar no que comer – eu compro um monte de congelados, Cheetos, vinho, cerveja, paçoquinha etc., só alimentos e bebidas de primeira necessidade. Ok, ok… eu já fazia isso antes de ela ir embora.
Outra vantagem é o fato de eu poder deixar louça suja na pia sem ficar preocupado que as duas ratazan…digo, gatas, irão lamber os pratos no meio da noite. Minha casa voltou a ser cheirosa sem budum de cocô de gato, nem areia espalhada pelo chão da área de serviço. A Bianca não pôde levar as gatas, assim as deixou na casa da mãe (que já tem um zoológico lá, duas a mais não farão diferença).
Certamente eu sentirei mais sua falta do que o contrário – mas ela tem que começar a tocar sua vida e eu não posso interferir. Esse negócio de ser pai é complicado, não vem com manual de instruções–devo ter cometido vários erros, mas creio ter acertado bastante também. Ela conseguirá vencer na vida, é muito correta, inteligente e esperta como o pai (ah, e é modesta também).
Peguei Corona!
Febre alta, dor de garganta, dor de cabeça… ferrou! Passei em uma farmácia no dia seguinte em que tive os sintomas, e perguntei quando deveria fazer o exame de covid. A farmacêutica me disse que deveria esperar alguns dias, caso contrário o vírus poderia não estar presente no material de coleta (aquela coisa agradável de enfiar um cotonete no nariz até o hipotálamo).
Tenho que admitir que em momento algum fiquei muito paranoico com tudo isso – claro que me cuidei, usei máscara, lavei as mãos com frequência (como sempre fiz), mas não exagerei em alguns cuidados como lavar produtos de supermercado, me isolar em casa ou passar álcool nas mãos como se fosse água benta de igreja aos domingos. Eu bebi álcool, serve?
Passei o ano de 2020 na Itália, o foco da doença, e vim ao Brasil no fim de outubro com minha filha, viemos pela TAP via Lisboa e reconheço que estava bem apreensivo de ficar dentro de aeroportos e aviões com o risco de ficar doente… foi tudo bem e chegamos “vírus-free”. Eu iria ficar direto aqui no Brasil com a Bianca, mas ela acabou se mudando para o Canadá e eu tive que voltar para a Itália por uns dias. Novamente o estresse de aeroportos e aviões…, mas foi tudo bem e voltei para o Brasil sem problemas um pouco antes do Natal.
Como recomendado, tenho seguido à risca a recomendação de evitar contato social (mentira, eu já era antissocial antes do vírus), continuo usando máscara e lavando as mãos quando volto para casa. Mas vou a supermercados e shopping centers de vez em quando – e não lavo porcaria nenhuma de embalagem.
Mentalmente voltei uns dias para tentar descobrir onde poderia ter pegado o vírus – teria sido no banco? Eu odeio ir a bancos, mas não tinha como resolver alguns assuntos sem ter que ir pessoalmente. Ou no elevador do prédio? O que mais me pareceu provável foi uma corrida de ida e volta de Uber – eu raramente tenho usado, mas foi onde fiquei mais próximo de um estranho nos últimos dias. Outro possível culpado seria meu hábito de roer unhas – é uma coisa tão automática que é possível que eu tenha roído as unhas após ter tocado alguma superfície contaminada. Contudo, ainda desconfio que a contaminação através de superfícies seja extremamente rara, dificilmente deve acontecer.
Tive a febre na segunda-feira, 38.8 graus, dor de garganta e de cabeça. No dia seguinte também tive, mas febre um pouco mais baixa. No outro dia parecia que os sintomas haviam desaparecido – mas à noite fiquei febril. Aí resolvi fazer o teste no dia seguinte – antes que eu ficasse maluco de estar trancado em casa! Quase quebrei as dobradiças da porta da minha geladeira, de tanto abrir e fechar (incrível, sempre são as mesmas coisas que estão lá dentro, não importa quantas vezes eu abra).
Pela primeira vez na semana saí de casa. Entrei no elevador e parou em um andar abaixo – eu pedi para a pessoa não entrar, pois eu poderia estar contaminado. Entrei no carro e fui à farmácia que fica perto de casa, onde havia agendado o exame. Conversei com a farmacêutica e expliquei os sintomas – ela disse que batiam exatamente do os do Covid, e que realmente eles vêm e vão, e que muita gente do bairro está doente. Saco…
Ela pegou o kit e me explicou que o resultado era próximo dos 100%–e que sairia na hora. Puxa, na hora?? Ela pegou o cotonete – que não era tão grande assim, e não chegou a me fazer uma lobotomia – passou nas minhas narinas e colocou dentro de um aparelhinho parecido com aquele teste de gravidez, inclusive com as duas linhas. Me mostrou o resultado: não estou grávido, digo, não estou com Covid!!! Aí que me veio à cabeça o fato de que esquecemos que as outras doenças continuam a existir, pode ter sido somente uma dor de garganta passageira, sei lá!