Histórico

Dupla cidadania,

Antonio Tozzi

Tim Ryan quer punir Brasil por causa de Claudia Hoerig. O quê? Não entendeu a abertura do artigo? Não sabe quem são estes personagens? Pois bem, vamos explicar melhor.

Tim Ryan é o deputado federal do Partido Democrata eleito pelo estado americano de Ohio que conseguiu colocar uma emenda polêmica no projeto de lei de reforma imigratória que está tramitando no Congresso dos EUA. Ele convenceu o subcomitê do Departamento de Segurança Interna (DHS) a votar a favor do corte de fundos para o processamento de vistos de residência permanente (Green Card) para imigrantes brasileiros, como uma forma de castigar a atitude do governo brasileiro.

Recapitulando. Claudia Hoerig é uma cidadã brasileira que foi para os Estados Unidos e se casou com um cidadão americano, obtendo desta forma a cidadania americana. O casamento, que durou dez anos, terminou em divórcio, mas ela conheceu outro cidadão americano, Karl Hoerig, major da Força Aérea dos EUA, com quem se casou. O legislador, que há seis anos tenta o retorno de Cláudia, de 46 anos, acusada de matar a tiros o marido americano, em 2007, alega que planeja chamar a atenção das autoridades brasileiras e, portanto, irá mais longe.

Evidentemente, isto é apenas uma emenda que pode ser retirada do projeto de lei a qualquer momento e não prosperar, mas pode também ganhar força, sobretudo junto aos parlamentares mais nacionalistas, e ser mantida, o que provocaria uma insensatez e uma injustiça contra os brasileiros que querem legalizar-se nos Estados Unidos e nada podem fazer para interferir neste processo.

De acordo com as leis brasileiras, o governo brasileiro não extradita seus cidadãos ou suas cidadãs, portanto, teoricamente Claudia Hoerig, natural de Nova Friburgo (RJ), está protegida. Isto, é claro, vem irritando as autoridades americanas, que alegam ser uma afronta a atitude do governo brasileiro, uma vez que Claudia também é cidadã americana. Ou seja, ela se beneficiou de tudo que a cidadania americana lhe proporcionou e, no momento de pagar seu débito com o país adotado por ela, preferiu fugir, argumentando ser cidadã brasileira.

Claudia, aliás, não é o único caso. No ano passado, um brasileiro que também possui cidadania americana, serviu o exército americano no Iraque e era policial em uma cidade do sul da Flórida foi condenado por estar comercializando medicamentos proibidos para serem usados como droga. Ele aproveitou-se do fato de o juiz ter permitido que aguardasse o julgamento em liberdade, foi até o consulado brasileiro em Miami, solicitou uma ordem de viagem, porque não tinha o passaporte atualizado, e se mandou para o Brasil.

Quem acabou pagando o pato foi a mãe dele, presa no aeroporto de Nova York, quando tentava embarcar para Brasília. A mulher teve de cumprir pena em uma prisão e ainda está aqui em liberdade condicional. As autoridades brasileiras não o extraditaram para os EUA a fim de ser julgado porque, segundo o Itamaraty, ele não cometeu nenhum crime no Brasil.

O que se vale discutir aqui é o posicionamento do governo brasileiro. Vamos abstrair o fato de Tim Ryan estar agindo de maneira, no mínimo, irracional, para ver se a atitude do governo brasileiro é justa.

A meu ver, o Brasil deveria firmar um acordo com os outros países e, em caso de dupla cidadania, deveria, sim, devolver o cidadão ou a cidadã, sob risco de receber pessoas que cometeram crimes em outros lugares e somente voltam para o Brasil como último refúgio. Seria algo bem diferente daquele de extraditar cidadãos brasileiros que nunca optaram por outra cidadania. Ao agir desta forma, o governo brasileiro se isentaria de estar dando guarida a criminosos.

O próprio Brasil vem, sendo vítima de um caso similar. O médico Roger Abdelmassih, condenado por ter abusado de mulheres que foram ao seu consultório para se tratar, fugiu para o Líbano, terra de seus pais e, como os países não possuem tratado de extradição, ele está fora do alcance da justiça brasileira. Ou seja, livre de cumprir qualquer pena depois de ser condenado por seus atos.

O ideal seria que todos os países tivessem um acordo global no qual todos poderiam entregar aqueles que cometeram crimes ou que são suspeitos às autoridades locais para que sejam julgados e, caso forem condenados, presos. O problema é que cada país tem seu sistema de leis e isto pode contradizer as leis dos outros. Nações como Indonésia condenam à morte traficantes de drogas -– e alguns brasileiros estão nestas condições -, mas, se eles fossem devolvidos para a justiça brasileira, não seriam executados, porque no Brasil não há pena de morte. Isto sem contar as leis da sharia, que prevalecem nos países muçulmanos e pune mulheres pelo simples fato de andarem em público seu cobrir o rosto.

Como se vê, o assunto é complexo e longe de ter fácil solução. Mas está mais do que na hora de se ter uma abordagem mais atualizada, neste mundo tão globalizado como o de hoje.

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