Por Irma de Mello*
O individualismo e o narcisismo exacerbado, que marca a identidade cultural do sujeito pós-moderno, está destruindo o convívio e a troca de experiências que leva o Homem ao crescimento enquanto pessoa. Este mundo sem referências e à deriva em que se vive atualmente gera uma crise de identidade coletiva. Tal crise tem afetado diretamente o cotidiano das pessoas, especialmente nos relacionamentos amorosos. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em sua obra “Modernidade Líquida”, apresenta o conceito de “liquidez”, importado da física, referindo-se às estruturas sociais metamórficas, as quais se alteram e se reorganizam conforme o meio em que se encontram.
Bauman nos leva a refletir sobre o mundo contemporâneo, criando o conceito de “amor líquido”. Os relacionamentos, cada vez mais mediados pela tecnologia, faz as pessoas trocarem o conceito de “relacionar-se” por “conectar-se” ou ter parceiros por redes. Isto resulta em um novo modelo de interação em que tudo tem data de validade e está cada vez mais se tornando perecível.
As pessoas são “deletadas” ou “adicionadas” à própria revelia. Essa sociedade do “amor liquido”, sem solidez, não quer consertar e, sim, trocar. Da mesma maneira que trocam seus aparelhos eletrônicos, trocam-se os relacionamentos. “Consertar” uma relação dá trabalho, melhor buscar o novo, o que acena com a possibilidade de ser mais fácil.
Nessa sociedade consumista, a qual me refiro, a moda muda antes da nova estação chegar, o aparelho eletrônico está sempre se tornando obsoleto, bem como as relações. Tal consumismo busca o prazer imediato, mesmo que “o objeto de prazer seja o outro. ”
Relacionamentos sem compromisso ou cumplicidade, em que o máximo que se está é “ficando” – seja lá o que isto significa – leva o casal à não entrega, não autenticidade, nenhuma solidez. Nada se espera, pouco se dá. E assim vão “ficando” o tempo que der, até encontrarem um novo “ficante”. Esta sociedade de relacionamentos “líquidos” joga por terra o conceito de amor.
As interações amorosas mais felizes são construídas tendo consciência da conexão subjetiva, do elo de almas. Isto requer enxergar as necessidades e desejos do parceiro, doar-se, tocar com respeito o universo do outro. Tornam-se, com isso, necessárias a compreensão e a paciência. As pessoas são diferentes e isso significa que, para se compreenderem, é fundamental dialogar, fazer concessões e se amar. O amor permite que haja autenticidade e aceitação.
A questão é que a falta de amor leva cada um a basear o relacionamento no seu próprio “ideal” de amor. Haverá decepção por criarem um ideal de ser humano para suprir sua carência. O mesmo será impossível de ser preenchido pelo parceiro ou parceira. Na maioria das vezes, as expectativas criadas são para preencher o vazio existencial, só que ninguém vem suprir seu “pedaço faltante”.
Cada um deve se haver com seus próprios fantasmas, buscando o autoconhecimento, a própria realização pessoal e seu propósito nesta vida. Isto tudo requer perseverança, busca e desejo de se fazer a diferença. Que cada um possa refletir como têm sido seus relacionamentos, onde se quer chegar enquanto ser em evolução e o quão feliz se quer ser. Faz-se necessário neste momento uma profunda análise de como as relações devem ser conduzidas para se alcançar uma conexão plena.
*Psicóloga clínica graduada pelo Miami Dade College e Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Irma de Mello acumula mais de 18 anos de experiência em atendimento clínico.