Em 2011, Receita recebeu 7.956 declarações de saída definitiva do país, número que saltou para 13.288 em 2015
DA REDAÇÃO (com O Globo) – Entre os dias 2 e 26 de março, representantes da província canadense de Quebec fizeram uma turnê pelo Brasil para divulgar oportunidades de trabalho em carreiras muito específicas e recrutar mão de obra fluente em francês. Visitaram sete cidades do Nordeste, Sudeste e Sul e se surpreenderam com a reação: em uma semana 140 mil brasileiros visitaram o site do órgão de migração, mostrando interesse em se mudar para o Quebec.
Números obtidos pelo jornal O Globo junto à Receita Federal confirmam que a emigração qualificada está em alta. Entre 2011 e 2015, o total de Declarações de Saída Definitiva do país (documento apresentado ao Fisco por quem emigra de vez) subiu 67%. Em 2011, a Receita recebeu 7.956 declarações, 21 para cada dia do ano. Em 2015, foram 13.288, numa média diária de 36 saídas.
“Esse número é apenas uma amostra pequena da realidade da emigração”, diz Joaquim Adir, supervisor nacional de imposto de renda da Receita. “Mas reflete a saída de uma elite financeira e cultural, de pessoas que se preocupam em ficar quites com a Receita e que têm conhecimento da importância disso. Não entram aí os brasileiros que não têm bens ou rendimentos, como crianças e jovens, nem os que querem sair de forma ilegal. Essa emigração está em alta.”
Escândalos de corrupção
Os engenheiros José Wellington e Silvia Oliveira chegaram a Toronto, no Canadá, em abril. Levaram Julia, de 7 anos, e Nicolas, de 3. Em Belo Horizonte, a família tinha casa própria. Wellington trabalhava na área de mineração, e Silvia, na firma de avaliação de imóveis do pai. Nos últimos meses de 2013, a empresa de Wellington deu um alerta: diante da crise incipiente, não teria como manter toda a equipe a partir de agosto de 2014.
“Foi a gota d’água”, diz Silvia. “Estávamos cansados da corrupção, da violência, do espírito do cada-um-por-si. A gente odeia o PT, o Lula, a Dilma. Vimos que o país estava afundando num buraco e que não havia luz no fim do túnel. Cada escândalo de corrupção que surgia solidificava nossa decisão. Então nos inscrevemos no programa canadense e passamos por um processo trabalhoso. Não digo que foi difícil. Só burocrático.”
Desde que optou pelo “frio”, a família virou fonte de informação e observa um efeito dominó. “Uma vez por semana alguém entra em contato conosco para perguntar como fizemos para migrar”, conta Sílvia. “Se o número da Receita está alto em 2015, vai ser pior em 2016.”
Situação preocupante
A Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas está de olho nas causas e efeitos da migração no Brasil. Um grupo de pesquisadores lançará nos próximos meses um estudo que defende a criação de uma entidade migratória nos moldes do que existe no Canadá, na Austrália e na Alemanha.
“Esses países traçam o perfil do trabalhador que precisam e selecionam os imigrantes que interessam. O Brasil não tem política alguma”, diz a pesquisadora Bárbara Barbosa. “Está perdendo na briga por mão de obra qualificada e, em consequência, na corrida pelo desenvolvimento.”
“Hoje estão envolvidos na questão da migração o Ministério da Justiça, das Relações Exteriores, do Trabalho e a Polícia Federal”, completa a também pesquisadora Margareth Da Luz. “Não há uma coordenação, e nós estamos perdendo cérebros, o que é preocupante num momento de envelhecimento da população.”