Setor vinícola da Califórnia declarou-se em crise por falta de até 70 por cento de lavradores indocumentados que teriam de fazer duas colheitas consecutivas
“Não sabemos o que fazer. Isto é um caos, um desastre. Aqueles que dizem que a Polícia Fronteiriça está falhando ou os que acham ser necessário deportar a todos deveriam dar uma passada pela nossa região, declarou o presidente da Liga de Agroindustriais Nisei, Manuel Cunha.
Somente a liga de vinicultores precisará nas próximas quatro semanas de cerca de cem mil lavradores, mas espera contar com apenas 30 mil, e isto nem está confirmado ainda. “Até agora não sabemos o que fazer com o gado, não há quem trate do gado. O gado está solto sem ter ninguém para cuidar dos animais, porque não contamos com os trabalhadores indocumentados que antes nos ajudavam”, reclamou o empresário.
No final do mês de julho, deveria ser iniciada a colheita de uvas para vinhos de mesa na região central da Califórnia. Na segunda semana de agosto, iniciaria-se tradicionalmente a de uvas de mesa, para consumo, e a famosa uva da Califórnia, destinada às passas de exportação.
Bilhões em perdas – Se a colheita for nedida, em termos materiais, isto pode ser traduzido em mais de um bilhão de dólares, de acordo com cálculos da Liga.
Uma delegação de vinicultores, pecuaristas e agroindustriais da fruta no pomar com colheita no verão viajou para Sacramento para entrevistas com a secretária estadual do Trabalho, Vicky Bradshaw, em busca de soluções.
O setor pecuarista e agroindustrial da região central da Califórnia mostrou à Vicky Bradshaw que, na falta de lavradores e trabalhadores nos estábulos indocumentados, o estado leve milhares de desempregados da Califórnia para trabalhar na região.
Cunha disse que isto reflete “a situação mais frustrante que já vivi em minha vida empresarial”; os desempregados são principalmente ex-trabalhadores urbanos do setor de serviços, ” e não têm a habilidade nem a resistência exigida para trabalhar no campo”.
Fatal onda de calor – Nas imediações de Fresno há 17 mil desempregados, segundo cálculos do Departamento Estadual do Trabalho da Califórnia para junho, mas há também o calor mais sufocante e a fatal onda que afeta os Estados Unidos.
Fresno é a região com mais mortos na atual temporada de calor, com 13 pessoas falecidas por desidratação. Uma rádio local divulgou que pelo menos um lavrador perdeu a vida durante sua jornada de trabalho na semana passada.
A colheita de uva requer jornadas regulares de até 16 horas, porque é preciso colher, empacotar, refrigerar e distribuir a fruta de forma rápida, além de conservar uma reserva para dezembro. Agora as temperaturas estão por volta dos 37 graus centígrados na área de Fresno; os desempregados urbanos que aceitarem participar da colheita terão de enfrentar estas condições. “O debate da reforma imigratória no Congresso converteu-se num desastre para a agricultura”, afirmou Cunha.
80% apóiam a legalização – A crise do setor registra-se ao mesmo tempo en que a empresa de pesquisas mais antiga e fidedigna da Califórnia, o Instituto Field, determinou que 80 por cento dos californianos outorgariam a cidadania aos indocumentados. Pelo menos oito em cada dez californianos ouvidos durante o mês de julho dariam cidadania americana aos indocumentados que vivem há vários anos no país, que falem inglês e que não tenham antecedentes criminais, de acordo com a pesquisa.
Mais de 70 por cento também aprovam um reforço da vigilância na fronteira, e 60 por cento defendem as sanções aos patrões que contratam ilegalmente os estrangeiroe e traficam os imigrantes.
A região central da Califórnia carece de oficiais de imigração para fazer detenções. Havia um posto con 14 patrulheiros fronteirços há uns sete anos, mas foi fechado. Só os agentes fardados vão aos campos, a partir da base de San Francisco.
Medo das batidas – Em virtude do temor das batidas na fronteira da Califórnia com México desde novembro de 2004, os indocumentados que trabalhavam na agricultura buscaram gradualmente empregos urbanos, em especial na construção. O impacto da escassez dos indocumentados na agricultura da Califórnia tem sido sentido em outros setores.
O morango, colheita da zona fresca, foi colhido por 40 por cento dos lavradores necessários nas regiões do norte de San Diego e da costa do Pacifico ao sul de San Francisco. Desta maneira, o morango foi vendido em média nos supermercados a 2.50 dólares a libra, aproximadamente cem por cento mais caro do que em 2004.
En Yuma foram registradas perdas de 500 milhões de dólares nas colheitas de alface e de cenoura, e perdas similares no Valle Imperial da Califórnia nas colheitas dos mesmos produtos.
De acordo com analistas de Sacramento e de San Francisco, as perdas no setor agrícola da Califórnia, a principal fonte de riqueza do estado, que se traduz em mais de 36 bilhões de dólares anuais, mudou as mentalidades de políticos chaves este ano.
Senadora mudou de opinião – A senadora Diane Feinstein, democrata que sugeria a deportação dos indocumentados, mudou de idéia, após conversar con agroindustriais da Califórnia e apoiou uma proposta que legalizaria meio milhão de lavradores.
O governador Arnold Schwarzenegger, republicano, insiste por sua vez que “uma economia globalizada precisa do livre acesso dos trabalhadores”, um ano após querer “selar a fronteira com o México” ou elogiar os civis armados Minuteman.
Mais de 97 por cento dos trabalhadores na Califórnia são mexicanos e, em menor número, descendentes de imigrantes mexicanos; extra-oficialmente mais da metade deles são indocumentados.
A Associação de Agroindustriais do Oeste americano adverte de que sem uma reforma imigratória imediata a multimilionária industria agrícola dos EUA sofrerá uma “catástrofe”.
Fonte de segurança alimentar – Estudos acadêmicos como o realizado pela Universidade da Califórnia em Davis (UCD), na zona agrícola de Sacramento, determinaram que os lavradores indocumentados são fonte de segurança alimentar e antiterrorista, longe, portanto, de representarem perigo.
A UCD sugeiru que, se as autoridades treinarem os lavradores – e de fato distribuir funções para os indocumentados -, eles serão a primeira linha de segurança do país, mais do que qualquer patrulheiro de fronteira.
O estudo revela que os lavradores estão integrados a locais que poucas pessoas se aventuram ir e percebem qualquer modificação num ambiente sensível e potencialmente vulnerável, como as montanhas, os rios e as áreas de grandes extensões agrícolas.