Financeiras facilitam empréstimos mas cobram juros altos dos tomadores de empréstimo
Estudo inédito concluído em dezembro pelo Banco Central (BC) mostra que, das 49 financeiras em operação no País, as nove ligadas a conglomerados bancários respondem por 83% dos ativos totais do setor, avaliados em R$ 38,29 bilhões. A distribuição de mercado no setor se assemelha a um oligopólio. Só o peso da Itaucard, com ativo total de R$ 19,6 bilhões em dezembro, representa 51,1% do segmento.
Situação que, na opinião de Erivelton Rodrigues, da consultoria Austin Asis, reflete o fenômeno global de concentração no mercado bancário. “Essa constatação não chega a surpreender e a tendência é de o segmento ficar ainda mais concentrado. O que não quer dizer que não haja concorrência, porque os grandes players estão brigando por uma fatia cada vez maior do mercado”, diz.
A concentração é o resultado das recentes aquisições de financeiras por bancos, de olho no crescimento do crédito para a população de baixa renda, em sua maioria “desbancarizada”. Foi assim que o Bradesco comprou a Zogbi; o HSBC, a Losango; e assim por diante. O empréstimo de pequenas quantias a muitos clientes transformou-se num lucrativo filão e atraiu o interesse dos grandes bancos. Os altos spreads (remuneração bancária) cobrados compensam o risco de inadimplência.
O chefe do Departamento de Supervisão Indireta e Gestão de Informações (Desig) do BC, Cornélio Pimentel, evita falar em concentração, embora reconheça que a situação reproduz o que já ocorre no sistema bancário.
“O que acontece nesse setor específico não difere do nível de concentração do sistema financeiro como um todo, que busca escala para competir. Mas é bom salientar que a carteira movimentada pelas instituições de crédito, em torno de R$ 20 bilhões, não representa quase nada se comparada aos mais de R$ 700 bilhões do sistema financeiro total.”
O texto do relatório do BC diz que, apesar de representar apenas 5% dos ativos totais de financeiras, o grupo de privados independentes é o que “conta, de longe, com maior número de instituições (33) e talvez aquele que mais se assemelhe a um segmento”.
Segundo Pimentel, o estudo, que pode virar uma série, é a primeira experiência feita para dar mais transparência ao setor e teve o foco mais na qestão do risco de crédito. “Há muito tempo não fazíamos um diagnóstico como esse.”
O fato é que pactuar empréstimo na rua como quem compra banana na feira já é comum nas grandes cidades brasileiras. Sem agiota, tudo por financeiras legalizadas. É prova do aumento de acesso ao crédito. A um custo muito superior à inflação: entre 6,99% e 9,99% ao mês. Este ano, o pico da taxa mensal do IPCA foi de 0 59% em janeiro. Em julho, ficou em 0,19%. No ano, acumula 1,73%.
Táticas – Para atrair os tomadores de empréstimo, os bancos adotaram táticas de comércio popular: os clientes são praticamente laçados na rua, em geral abordados por jovens uniformizados e equipados com pranchetas com as propostas de negócio. Na maior parte das vezes, são empréstimos entre R$ 1 mil e R$ 2 mil, com a única exigência de apresentação de comprovante de renda, de residência, CPF e identidade. São chamados de empréstimos fáceis: financiamentos sem burocracia, com prazos longos e módicas parcelas de pagamento.
O estudante Leandro de Souza interessou-se pelas condições da financeira Ibi. Ele foi abordado na Cinelândia, centro do Rio, por um vendedor e fez cadastro na hora. “É uma maneira fácil de comprar um carro, fazer uma viagem. Funciona como se eu fosse correntista normal. Recebo um cartão e posso sacar o dinheiro nas agências. No meu caso, pago a parcela em faturas, por isso é maior.”
Com desconto em folha, os juros ficam entre 6,9% e 8,9% ao mês. Na fatura, aumenta para 9,9%. De qualquer forma, é um empréstimo muito caro. Quem toma R$ 1 mil para pagar em 12 vezes acaba pagando R$ 1.502, na melhor das hipóteses, e R$ 1.752, na pior.
Mas quase ninguém faz as contas na hora de pegar o dinheiro. Mesmo assim, uma atendente da Taií, do Grupo Itaú, diz que não é fácil convencer clientes no início. “Poucas pessoas param para falar conosco, mas, no fim do mês, o número de novos clientes é satisfatório”, diz ela, que pediu para não ser identificada. “Recebemos um salário fixo, mas temos uma cota mínima. Em geral, conseguimos superá-la. Quanto mais clientes cadastramos, mais bônus ganhamos.”
Para Rodrigues, há um grande potencial de crescimento no segmento das financeiras. E nem mesmo as medidas para reduzir o spread bancário tentadas pelo governo poderão frear essa elevação. “O governo está mexendo para aumentar a competitividade e isso é positivo.” Não será por meio de medida provisória que o spread irá baixar, mas outras medidas podem ajudar, como o cadastro positivo e o DOC reverso. O consumidor também deve pesquisar preços para trocar de financeira de acordo com a proposta apresentada, diz o executivo.