Marcio Beck

Como ‘nasce’ um apreciador de cervejas

É difícil encontrar um apreciador de cervejas que não tenha vivido um momento assim: a descoberta, por acaso ou quase por acaso, de um rótulo que transforma para sempre sua maneira de enxergar a bebida. De enxergar, e, é claro, de consumir. O termo mais exato que encontrei para descrever este momento é “epifania cervejeira”.

Epifania, no sentido que me refiro, é “uma manifestação súbita ou percepção da natureza essencial ou do significado de algo; um entendimento intuitivo da realidade atrás de algo geralmente simples e impactante ou uma descoberta iluminadora”, diz o Merriam-Webster.

Não existe regra, é claro. As descrições que se seguem mesclam experiência própria e observação de outros cervejeiros; relevem, portanto, as generalizações e finjam que cada afirmação generalizante tem um “há exceções” junto. Mas vamos ao que interessa.

Apreciadores de cerveja não nascem; se tornam.

Na imensa maioria dos casos, eles passaram longo tempo bebendo quantidades no mínimo razoáveis de uma ou mais marcas de cervejas produzidas em massa. Podem até ter uma fixação obsessiva-compulsiva em um rótulo – mas nada que um teste cego não cure. E já tinham aceitado a cerveja como a bebida do cotidiano, sem glamour.

Isso até que surgiu no caminho AQUELA cerveja. A que fez o mundo parar de girar por um instante e detonou a pergunta: “Como é que eu só fui descobrir isso agora?” Pergunte a qualquer amigo que gosta de experimentar cervejas diferentes. É quase certo de ele ter uma boa história para contar.

Pouquíssimos começaram a carreira cervejeira experimentando diferentes estilos de várias nacionalidades. Outros eram do tipo “não-ligo-para-cerveja”, porque só conheciam, basicamente um estilo de cerveja, o pilsen – e eus derivados mais suaves, conhecidos como standard american lager e standard light lager, do qual já falei aqui.

Apreciar cervejas de diferentes estilos é um caminho sem volta.

Essa frase é repetida por quase todos os que escolheram esse caminho. Ecoa uma perspectiva etílica da máxima do famoso jurista americano Oliver Wendell Holmes: “Uma mente, uma vez expandida pela experiência, jamais retorna à forma original”. E é, em grande parte, verdade. Depois de conhecer aromas e sabores até então nunca imaginados numa bebida, voltar para aquela realidade simplória da cervejinha só para refrescar num churrasco é bastante difícil.

É claro, tem aqueles que, mesmo provando diferentes cervejas, continuam a preferir outras bebidas, ou mesmo os que – sim, eles existem – continuam com a suas lagers industriais de estimação. Apesar de muitos terem a noção de que todos os bebedores são apóstolos em potencial do Novo Evangelho Cervejeiro, isso está longe de ser fato consumado.

Muita gente simplesmente não tem maior interesse por cerveja e se contentará com qualquer uma. Não quer dizer que sejam pessoas burras, incapazes ou de mau gosto. Apenas que têm outras prioridades na vida – que podem ser gastronômicas ou não. O bom apreciador de cerveja aceita essa realidade, e evita torrar a paciência alheia com a sua paixão. Essa é a regra de ouro.

Mesmo quem escolheu esse caminho às vezes pode se ver na necessidade de retornar às raízes. Seja por questões de convívio, como a presença em festas de amigos e parentes que não têm o mesmo hábito, seja por um problema que afeta a muitos, que é a pura e simples falta de dinheiro. Afinal, as cervejas artesanais e importadas são consideravelmente mais caras que as industriais de massa, e o lema do movimento, “Beba menos, beba melhor”, é cumprido por poucos…

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