ESPECIAL
Por Queila Ariadne – Repórter do jornal O Tempo (www.otempo.com.br)
Covernador Valadares – Com experiência de dez anos na região do Vale do Rio Doce com transporte alternativo para a América, um coiote – como é chamado quem atua no transporte ilegal de imigrantes – aceitou conversar com a reportagem, desde que sua identidade fosse mantida em sigilo. “Do ano passado para cá, o volume de pessoas que procuram coiotes para irem para os Estados Unidos aumentou cerca de 80%. É o dólar alto”, explica. E não é só o câmbio que está alto. O preço cobrado para organizar todos os trâmites da viagem ilegal pode chegar a $20 mil, ou seja, cerca de R$ 80 mil.
Mas o que faz uma pessoa pagar esse dinheiro para tentar a vida em outro país e ainda correr o risco de morrer na travessia pelo deserto do México? “Já teve gente que embarquei que fez milhão. Eu, que nunca fui para lá, nunca enriqueci. Trabalhando lá, em um ano, a pessoa já consegue pagar essa dívida”.
Do começo dos anos 2000 para cá, o preço cobrado pelos coiotes dobrou. Em 2003, quando Renata Dias Bento, 35, foi com o então marido para os Estados Unidos, ela pagou $10 mil. Em 2008, época em que muitos retornaram por causa da crise norte-americana, o valor médio ainda era esse. “O preço aumentou muito porque o risco aumentou muito. Hoje, quase ninguém mais está conseguindo passar. A fiscalização aumentou muito no México, assim como a corrupção. Tem que pagar para mexicanos e para a polícia”, afirma o coiote.
“O que motiva essas pessoas a pagarem caro e ainda se arriscarem é o sonho americano. Se o ser humano deixa de sonhar, ele deixa de viver, então se ele não está vendo horizonte no Brasil, ele quer ver nos Estados Unidos”, afirma o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico de Governador Valadares, Edmilson Soares. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), enquanto de 2007 para 2008, o rendimento médio no Brasil subiu 5,6%, de 2014 para 2015 teve queda de 3,5%.
Segundo Soares, a cidade já sente um aumento na movimentação dos coiotes. “Em julho deste ano, recebemos uma visita do consulado dos Estados Unidos do Rio de Janeiro, que veio orientar sobre a apresentação dos documentos. Naquela época, a aprovação de vistos para valadarenses estavam em 96%. Agora, tenho certeza que caiu. Se a pessoa não consegue ir legal, ela busca rotas alternativas”, avalia.
Se a pessoa for pega tentando entrar, fica presa e é deportada. Por isso, o coiote ressalta que quem opta pela rota alternativa tem que escolher muito bem e buscar referências de quem já usou os serviços. Na cidade, em rodas de conversa, todo mundo tem uma história para contar. Entre elas, sobre agiotagem. “Tem coiote que exige que as pessoas transfiram a casa delas como garantia e, caso não paguem a dívida da travessia, eles ficam com o imóvel”, relatam moradores.
Chacina
Há cinco anos, Hermínio dos Santos, de Sardoá, e Juliard Fernandes, de Santa Efigênia de Minas, eram enterrados após morrerem em uma chacina no México, que matou 72 imigrantes que tentavam entrar nos Estados Unidos.
Parentes incentivam e bancam travessia
Governador Valadares e Sardoá. Vilson Albino de Amorim, 25, chegou em Sardoá há quatro meses, depois de morar oito anos em Goose Creek, na Carolina do Sul, onde trabalhava na construção civil. “Fiquei 19 dias no México até conseguir entrar. Paguei $12,5 mil”, conta. Com esse dinheiro, em vez de arriscar a vida, ele poderia ter investido em um negócio. “Quem pagou foi meu irmão, e essa era a única opção porque ele queria que eu fosse”, explica Vilson.
A socióloga Sueli Siqueira, especialista em estudos de emigração da Univale, afirma que a cultura do sonho americano é muito presente, exatamente porque existe uma rede social forte, com familiares que querem levar os parentes.
Dinheiro mais rápido
A possibilidade de ganhar dinheiro mais rápido também explica as pessoas se arriscarem e pagarem alto. Erivelton Gonçalves Lima, 38, entrou nos Estados Unidos pelo México, em 2002. A travessia não foi nada fácil. Agora, ele até pensa em voltar, mas legalmente. “A qualidade de vida nem se compara com a do Brasil, assim como o custo”, lembra.
Como pintor, ele ganhava até $18 por hora. “As coisas melhoraram muito quando fiz um curso de inglês para imigrantes em Harvard. Cheguei a ganhar cerca de $2.000 por semana, aqui jamais ganharia isso. Lá, teve crise, mas, mesmo com os cortes promovidos pelo Obama, ainda era menor do que a crise do Brasil. Eu pude comprar uma BMW e tinha condições muito melhores de vida”.