Rodrigo Fonseca*
A pandemia trouxe impactos para as cadeias globais de produção com a escassez de insumos, aumentos de custos de produção e transporte e até interrupções de fornecimento de bens em casos extremos.
Entretanto, eficiências e ganhos econômicos obtidos com a produção por cadeias de valor nas últimas décadas não devem ser simplesmente abandonadas ou dar lugar a interpretações simplistas.
A pandemia foi severa para o comércio global e deixou evidente concentrações regionais de produção. Mas, ela deve ser vista, especialmente, como uma lição para aprimorar decisões empresariais, medidas de políticas públicas, incluindo as relações econômicas com parceiros que geram mais ganhos.
E é nesse contexto que se insere a relação Brasil-Estados Unidos e Brasil-Flórida, em particular.
Há mais do que apenas o fato de serem as duas maiores economias do continente com interesses e valores internacionais comuns. Há números consistentes de uma relação econômica muito positiva para empresas e trabalhadores dos dois lados.
O Brasil ocupa, para as empresas dos Estados Unidos, o posto de nono maior destino das vendas totais de bens. Os Estados Unidos, por sua vez, são o segundo maior destino das exportações brasileiras e a segunda maior origem de importações. Uma característica marcante desse comércio é que mais da metade é composto por produtos de alta tecnologia.
As relações empresariais são sólidas também em serviços e investimentos. Os Estados Unidos são a segunda maior origem das compras externas do Brasil de serviços e o primeiro nas vendas brasileiras ao exterior. As empresas norte-americanas têm o maior estoque de investimentos externos no Brasil, com US$110 bilhões (21% do total) e o Brasil tem 65% de suas empresas multinacionais com presença nos Estados Unidos e mais de US$ 15 bilhões em estoques investidos.
As relações com a Florida trazem números ainda mais impressionantes. Para começar, o Brasil é o principal destino das exportações da Florida, com uma média de quase US$14,9 bilhões na última década ente 2011 e 2020, ou 19,2% do total vendido pelo estado norte-americano ao exterior. É um montante igual aos quatro demais países na sequência.
Mas os números não são apenas significativos em seu total. São também em sua qualidade. Sete dos dez principais produtos vendidos ao Brasil são de média-alta ou alta tecnologia, com destaque para a cadeia de aeronaves e partes (27,5% do total) e outros bens como processadores, aparelhos de transmissão, medicamentos ou aparelhos para medicina.
O outro lado reforça o aspecto ganha-ganha e de uma relação de cadeia global. A Flórida e o Texas são os maiores parceiros nas exportações do Brasil aos Estados Unidos. Porém, enquanto as vendas brasileiras para o Texas vêm caindo na última década, aquelas destinadas para a Flórida cresceram fortemente, em 51,3% entre 2011 e 2020. Se fosse um país, a Florida teria se tornado o 7º maior destino de vendas do Brasil.
Igualmente, chama atenção o conteúdo tecnológico dessa pauta, com aeronaves e partes de aeronaves importadas representando 61,6% das compras do Estado.
O alto valor agregado do comércio tem origem em investimentos bilaterais entre Brasil e Flórida. Na última década, foi aportado quase US$1 bilhão em investimentos greenfield (investimentos em unidades novas) de lado a lado com ao menos 75 empresas de médio ou grande porte envolvidas em setores como financeiro, aeroespacial e bens de consumo.
O termo cadeias de valor surgiu para descrever as relações mais intensas de produção entre diferentes regiões e a coordenação entre as funções empresariais.
A qualidade da integração em cadeias pode ser observada pelas estatísticas de investimentos, valor agregado de comércio de bens e o comércio de serviços. E essa qualidade está presente de forma marcante nas relações Brasil-Estados Unidos e com a Florida.
Com a proximidade do fim da pandemia, o mundo já observa uma nova fase das cadeias globais de valor. Essa fase não apagará o importante movimento do passado, mas traz consigo a busca por diversificação regional de fornecedores. Surge assim uma grande oportunidade das empresas brasileiras se integrarem com empresas norte-americanas, sobretudo as localizadas na Florida.
Para isso, tanto as empresas, como os governos dos dois países devem promover uma agenda ambiciosa. Isso passa por ações de aproximação entre os setores empresariais e por ações governamentais para melhoria do quadro regulatório entre os dois países, pela facilitação do comércio e pela convergência de regras comerciais e tributárias.
É nesse cenário desafiador e em transformação que o Presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, realizará visita à Flórida cumprindo uma agenda coordenada pelo Consulado-Geral do Brasil em Miami. A missão empresarial acontecerá entre os dias 29 de setembro e 1º de outubro e incluirá reuniões com autoridades do governo do Condado de Miami-Dade, bem como encontros com líderes-chave do setor privado. O objetivo será identificar oportunidades de investimentos bilaterais e construir uma agenda para o incremento do processo de integração das cadeias de suprimento industrial de ambos os polos (Brasil e EUA, com ênfase na Flórida, porta de entrada no mercado americano de nossos bens industriais e de maior valor agregado) em setores estratégicos para atuação em cadeia dos dois países. Poderia citar a indústria de alimentos e bebidas, fármacos, equipamentos médico-hospitalares, insumos da indústria da construção civil, além de fintechs, entre vários outros segmentos onde pode haver acelerada sinergia de cadeias produtivas, trazendo maior diversidade e mais segurança em relação aos países fornecedores desses produtos. Em outras palavras, reshoring (transferência de negócios e/ou operações produtivas de volta para o nosso hemisfério) é o objetivo a ser atingido.
*Rodrigo Fonseca é Diplomata Chefe do Escritório de Assuntos Econômicos e Comerciais do Consulado-Geral do Brasil em Miami, as opiniões expressas aqui são exclusivamente dos próprios dos autores e as opiniões e pontos de vista expressos neste artigo são de responsabilidade dos autores, não necessariamente refletem a política oficial ou posição de qualquer agência do governo brasileiro ou deste jornal. Os exemplos de análises realizadas neste artigo são apenas exemplos. Eles não devem ser utilizados em produtos analíticos do mundo real, pois são baseados apenas em informações de código aberto datadas e muito limitadas. As suposições feitas na análise não refletem a posição de qualquer entidade governamental brasileira.