São Pedro e os meteorologistas são os melhores amigos desses brasileiros. Eles rezam para que não chova e se tiver que chover, torcem para que seja só após a tarde. Nada para eles é mais importante do que conferir a previsão no Wheather Channel antes de dormir ou sair para o trabalho. Eles são os trabalhadores de car wash. “Hoje a previsão é de 60% (de probabilidade de chuvas)”, avisa Francisco Santiago, 45, gerente do Riverside Car Wash, um dos que, não raro, só empregam brasileiros. E nem é preciso muito esforço para notar que o dia, uma quinta-feira, não vai ser dos melhores. Logo nas primeiras horas do dia apenas dois proprietários de carros vieram solicitar os serviços de lavagem. “Esse não é o horário de pique mas em dias normais nós já teríamos feito uns dez carros”, explica ele.
As estatísticas não são fáceis de encarar. Se em um dia normal de trabalho um car wash do porte deste registra uma média de 50 carros diários – 70 nos dias de final de semana- em tempo de chuva não chega a 20 por dia. Isso reflete diretamente nos salários de 5 dólares por hora, que dependem das gorjetas para serem engordados. Em alguns casos eles são proporcionais ao volume de trabalho. “Eu já trabalhei em uma empresa onde ganhava 2 dólares por cada carro”, afirma José Siqueira, 34 anos, há quatro vivendo nos Estados Unidos.
E há outras empresas onde o funcionário só “trinca” cartão quando tem carro para lavar; quando não, ficam literalmente parados à espera de alguém. Há casos de pessoas que passam oito horas diárias no local de trabalho mas só têm três ou quatro horas registradas para efeito salarial. Outro efeito igualmente desagradável é o do “dia off”, que começa a ser ‘distribuído’ para os funcionários.
Apesar dos dissabores, o trabalho tem também muitos bons momentos. Quando não chove a profissão não é das mais desagradáveis. À parte de ter que acordar cedo, o trabalho é leve, descomplicado e rende bons salários. A rotina começa bem antes dos clientes chegarem. Pelo menos às 7h30 já há funcionários chegando para preparar o local de trabalho – separar produtos, flanelas, colocar para fora máquina de shampoo, mangueiras e máquina de lavar carpete; e tudo é recolhido no final do dia. Às 8h começa o expediente que pode se extender até 5h; com sol e sorte até às 6h30. “Na primeira semana de trabalho você sente um pouco de cansaço mas depois não”, afirma Rodrigo Ferreira, 26, há dois meses nos Estados Unidos e um mês trabalhando como lavador de carro.
Carros “lixeira”
Como ele, poucos têm o que reclamar da profissão, embora alguns prefiram as empresas que trabalham com divisão específica de função; ou seja, cada pessoa sendo encarregada de uma etapa da lavagem. Em algumas empresas as pessoas são divididas entre os grupos dos que passam o vacuum, os que lavam as rodas, os drivers (que colocam o carro na máquina) e os finalizadores (que só fazem o acabamento). O estilo de linha de produção dá dinamismo ao ritmo de trabalho mas também cria ociosidade, já que algumas funções são mais leves e preferidas pelos lavadores, a exemplo da função de driver. “Aqui a gente não divide por função. Todo mundo sabe fazer de tudo”, destaca Francisco.
Questionado se têm preferência por alguma função específica, eles afirmam que não. Mas reconhecem que em alguns casos é difícil de ‘encarar’ a limpeza interna de alguns clientes. “Tem gente que vem aqui e o carro é uma lixeira; antes de limpar você têm que recolher resto de comida, embalagem de McDonalds, copos, latas”, lembra Siqueira. Também não são bem vistos os carros de fumantes -“em alguns você não consegue ficar muito tempo dentro”, diz- e os com manchas de coca-cola ou café, que são difíceis de serem removidas. “Já aconteceu também de encontrar formigas, barata, e outros insetos dentro dos carros”, reclama Rodrigo, que acha insuportável mesmo ter que limpar carro de donos de cachorro. “O pior é quando você têm que passar vaccum em carpete escuro cheio de pêlo de cachorro branco”, diz.
O golpe do carro amassado
Mas chato mesmo é ter que lidar com alguns clientes. Os mais fáceis, segundo afirmam, são os americanos entre 25 e 40 anos. Não reclamam de quase nada. Já os idosos têm sempre uma ‘reclamaçãozinha’ ou ‘exigênciazinha’ a fazer. “Tem velhinho que chega aqui, paga pelo De Lux Wash e quer um Ultimate Wash (a diferença é que a segunda inclui armorall, um produto para dar brilho nas rodas e no painel)”, diz Francisco.
Já houve casos de clientes que exigiam que o lavador limpasse as rodas por trás, ou limpasse as borrachas que vedam as portas (essa parte não está inclusa no serviço). “Uma vez o cliente, depois do carro acabado, pediu para baixar o vidro e limpar aquela parte que fica para dentro da borracha (em cima) e depois de levantar o vidro a gente teve que limpar, outra vez, o vidro. Isso é absurdo, mas não acontece todo dia”, conta o gerente.
Mais difícil ainda é lidar com as reclamações de danos materiais. “Às vezes o carro está tão sujo que o cliente só vê arranhões quando está limpo; então quer culpar o car wash pelo dano”, explica Francisco.
Já ocorreu, há alguns anos, de um jovem agir de má fé com os lavadores. Ele levou um Lexus para lavar e tentou acusar os brasilerios de terem arranhado o carro. Ele chegou a chamar a polícia que, indo ao local constatou a impossibilidade dos riscos serem originários de um acidente, ou inabilidade, durante a lavagem.
Em um outro caso a dona de uma Mercedes 00′ só descobriu que o carro estava amassado, no porta malas, depois do carro ter sido lavado. Ela também chegou a culpar o car wash pelo incidente, o que foi provado o contrário.
As ‘paqueras’ com clientes
Quando não estão lidando com o stress dos clientes, entretanto, sobra tempo para descontrair. Mas nesses momentos tem aqueles em que os lavadores pagam pelo pecado da língua. O fato mais comum é “dar mancada” diante de brasileiro, coisa que eles não admitem mas quem trabalha em outros car wash garante que isso acontece. Sem saber que as pessoas falam português, por exemplo, alguns lavadores começam a desfiar comentários maldosos entre si. Já ocorreu de um funcionário do local comentar maldosamente com um colega de trabalho que “achava” que os dois clientes, que estavam no carro, eram homossexuais. Descobriu depois que eles eram brasileiros.
E tem também os clássicos casos dos rapazes que, acreditando estarem protegidos pela diferença de língua, se derretem em elogios às clientes usando adjetivos bem brasileiros (gostosa, boa, coxuda, etc.) e depois descobrem que elas entendem, e bem, o português.
As desinibidas do car wash
Além do pecado da língua tem lavador de carro que paga também pelo pecado da desatenção. “Já aconteceu comigo de quebrar um retrovisor; mas não foi nada sério”, conta Siqueira. Antenas e outros acessórios externos também sofrem com a pressa, a desatenção, ou qualquer outro fator que interfira na concentração no trabalho.
Quando o assunto é desconcentração, aliás, as mulheres são as campeãs na lista negra. Já foram registradas cenas que ficam na memória dos rapazes a exemplo de uma ou outra menina que apareceu por lá de mini-saia e sem calcinha. Entre um relance e outro também já foram flagradas outras desinibidas, que deixavam entrever através de bermudas largas a falta da peça íntima. E em outro caso uma americana tentou paquerar um brasileiro – que já não mais trabalha lá -, pedindo o seu número de telefone, o que ele não entendeu por não falar inglês. E ele não se perdoa até hoje por ter perdido a oportunidade. E é assim. Entre dissabores e alegrias que os brasileiros que trabalham em car wash vão levando a vida; rezando para não chover, ansioso para trabalhar no final de semana (é o período em que eles mais trabalham, mas também faturam mais gorjetas) e esperando por dias melhores, que sempre vêm.