Na segunda-feira (2), chegou ao Aeroporto Internacional Tancredo Neves em Confins (MG) o sexto voo fretado pelo governo americano com 120 brasileiros. Desde outubro, mais de 600 imigrantes foram mandados de volta para o Brasil depois de tentarem atravessar a fronteira dos Estados Unidos com o México ilegalmente.
O AcheiUSA conversou com Fabiane Almeida e Giliardi Nascimento, que viveram essa experiência e estavam no voo que chegou a Minas Gerais no dia 19 de fevereiro. Os dois são enfáticos em afirmar que viveram os piores dias da vida deles e que não têm a menor intenção de voltar. “Nunca mais. Eu não gosto nem de ouvir a palavra Estados Unidos”, disse Fabiane, que é de Ipatinga (MG) e passou 27 dias presa.
Fabiane, que é natural de Ipatinga (MG), viajou com a filha de dois anos e o marido. Eles chegaram no dia 25 de janeiro, se entregaram aos agentes de imigração e foram mandados para a prisão no Texas, onde a maior parte dos detidos é enviada. A mineira descreve o local como um ‘gelo’, com pouca comida e sem condições para receber crianças. O marido dela foi mandado para outro setor e ela ficou com a filha.
“Na cela em que eu estava cabiam 11 mulheres e eles colocaram 27, entre adultos e crianças. Depois desses dias, me perguntaram se eu queria ser deportada ou recorrer do processo. E eu sabia que não ia adiantar recorrer e optei por ser deportada. Assim que chegamos, jogaram nossas roupas fora e nos deram uma espécie de papel de alumínio que servia de cobertor. Dormimos no chão. Minha filha passou mal, vomitando e com febre alta, não deram comida para ela. O médico disse que ela precisava se alimentar e tomar bastante água, porque estava desidratada. Passei 27 dias nesse lugar e pareciam 27 anos, foi muita humilhação e sofrimento”, disse Fabiane.
A mineira disse que não conseguiu ainda colocar a cabeça no lugar, que tem pesadelos constantes e que acorda assustada pensando que ainda está na prisão da imigração. “Nunca vou me esquecer de uma policial do sexo feminino, identificada como ‘Alvarez’, que mais parecia o demônio. Eu pedi comida para a minha filha e ela falava que lá não era a minha casa. Ela se recusou a dar comida. Alguns guardas chegavam a apontar armas para nós e para as crianças para que ficássemos com medo deles, outros eram mais gentis”.
Ela continua: “Eu não sei te explicar, eu sonho com aquilo, eu acho que estou naquele lugar ainda, não consegui voltar para minha realidade. Abalou meu psicológico, eu chorava todo santo dia, com fome, frio, um lugar muito difícil. A gente não matou, não roubou para fazerem isso conosco. Nós que somos adultos, conseguimos sentir fome, mas a criança não. Elas acordavam gritando de fome. Nós viajamos para tentar uma vida melhor e tomamos esse baque. São pessoas desumanas. Vi oficiais batendo em homens por nada, chegavam e batiam. Vi pais sendo separados dos filhos. Aqueles agentes não têm amor nem a eles mesmo. Eu tomei trauma da palavra Estados Unidos e não quero voltar nunca mais”.
Para os brasileiros que querem cruzar a fronteira ilegalmente para conseguir uma vida melhor nos EUA, Fabiane diz: “não vá”.
“O coiote me falou que tudo ia ficar bem”
Giliard Nascimento saiu de Inhapim, no interior de Minas Gerais, com o filho de 15 anos, para tentar entrar nos Estados Unidos pela fronteira com o México. Ele tentou o visto no Consulado Americano e, diante da negativa, procurou ajuda de conhecidos que já haviam percorrido o mesmo caminho e decidiu se aventurar. “Eles me disseram que passar com menor de idade era mais fácil”.
Giliard, então, comprou uma passagem para a Cidade do México onde um coiote já estava esperando por ele e pelo filho. Eles então pegaram um ônibus e 27 horas depois chegaram a Juarez, perto da fronteira. “O combinado era pagar $12 mil dólares para o coiote assim que a conseguíssemos atravessar a fronteira, $6 mil assim que passasse e outros $6 mil parcelados. Ele garantiu que seria tranquilo e que iríamos passar, mas fomos presos”. O brasileiro disse que não foi mais cobrado, que ficou por isso mesmo.
O brasileiro conta que, durante a viagem de ônibus, gastou pelo menos 300 dólares pagando policiais mexicanos pelo caminho, que exigiam propina para deixar o ônibus seguir. “Atravessamos e me entreguei para os policiais de imigração que estavam lá. Cheguei na entrevista, o agente falou, se você quiser voltar para o México, eu te libero agora. Mas o que que eu ia fazer no México? Decidi arriscar e acabei sendo mandado para a prisão. Assim que chegamos lá, já jogaram nossas roupas no lixo e a, a partir daí, começou o sofrimento”.
Giliard emagreceu 20 quilos e ficou 24 dias preso. “Deram uma manta para dormir no chão duro, chão frio, ar condicionado gelado e ninguém tinha pena da gente. A comida era muito ruim, burritos, comidas que não estávamos acostumados. Vi muita gente passando fome, chegavam a desmaiar de fome.
Assim como Fabiane, Giliard afirma que demorou a voltar ao normal quando chegou ao Brasil. “Acho que nem um cachorro é tão maltratado como nós fomos. Não aconselho ninguém a ir, hoje eu tento avisar a todos os amigos e conhecidos que têm intenção de ir, para não se arriscar. Não vale a pena”.
Governo brasileiro facilita a deportação
O governo brasileiro não aceitava voos fretados com deportados desde 2006. Na época, a decisão foi tomada depois de uma CPI que investigou as deportações de brasileiros, o Itamaraty alterou a política de trato de brasileiros no exterior, incluindo aqueles acusados de imigração ilegal. Mas desde outubro de 2019, quando o primeiro voo fretado chegou ao Brasil, essa política foi alterada pelo Itamaraty.
O número de imigrantes brasileiros presos nos Estados Unidos tentando cruzar a fronteira pelo México aumentou mais de 10 vezes no último ano fiscal norte-americano (outubro de 2018 a setembro de 2019), chegando a 17.900, contra 1.500 no ano fiscal anterior. Em 2019, cerca de 850 mil pessoas de diversas nacionalidades foram presas tentando cruzar a fronteira dos EUA.
Veja vídeo gravado por Giliard: