Jorge M. Nunes*
É difícil saber o número exato de brasileiros vivendo nos Estados Unidos. O Censo americano de 2020 revelou que 502 mil pessoas nascidas no Brasil moram no país, mas isso representa somente a porção que respondeu à pesquisa federal. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil (MRE) defende um número bem maior de nacionais nos EUA, cerca de 1,8 milhões. Essa discrepância tem a ver com o número significativo de brasileiros em situação irregular no país e que evitam o contato com instituições oficiais, como o Censo. Permancer anônimo e invisível é mais prudente para esse contingente irregular.
É razoável usar o número estimado pelo MRE como o mais próximo da realidade, tanto pelo cálculo do Ministério, baseado em registros consulares, de passaportes e outros dados, como por alguns argumentos mais empíricos, como a observação simples da maciça presença e influência socioeconômica brasileira em grandes centros, como Miami, Newark, Boston, Los Angeles, Atlanta, New York e outras cidades.
Portanto, cerca de 1,8 milhões de brasileiros vivem hoje nos Estados Unidos, entre regulares e irregulares. Esse número equivale à população de uma grande capital estadual como Curitiba, e é maior que a de dez estados americanos, entre eles Vermont, Delaware, Rhode Island, Maine e New Hampshire, por exemplo.
Os quase dois milhões de pessoas têm origens diversas, tanto geográficas quanto de classe socioeconômica. Há profissionais urbanos que visam melhorar a carreira, empreendedores com recursos que desejam expandir seus negócios, gente que foge da violência no Brasil, há os que vêm do interior do país buscando melhores condições de vida (capazes de se sujeitar a uma perigosa travessia pela fronteira do México), e há os desiludidos com o país em geral.
Apesar disso, possuem muito mais semelhanças que diferenças. A base cultural, ainda que dividida entre as diversas classes socioeconômicas, traz uma certa unidade para o grupo, senão pela convivência, mas por hábitos comuns que revelam a característica própria do ser brasileiro, presentes na culinária, na música e nos esportes, por exemplo, e ancorados na língua e nos costumes. Possuir certas características comuns é o componente aglutinador que molda o que chamamos de comunidade brasileira nos Estados Unidos, e ele está presente em diferentes doses em cada um dos 1,8 milhões de brasileiros que vivem aqui.
Essas características não são apenas aglutinadoras, mas agem também como disseminadoras de cultura. Não é possível desprezar o comportamento de quase dois milhões de pessoas e esperar que elas não exerçam uma forte influência no seu ambiente. A cultura brasileira vem se espalhando pelos EUA dentro de um vasto espectro que reúne áreas distintas, como música, esportes, culinária e artes marciais. A comunidade é uma embaixada cultural do Brasil.
Outra característica comum na maioria dos brasileiros que vivem nos Estados Unidos é sua ligação com o Brasil. Grande parte sonha com um retorno final, seja para usufruir do patrimônio conquistado nos EUA, seja por conta de uma reunião com suas origens culturais e familiares, ou mesmo por causa de uma melhora significativa nas condições de vida no Brasil. Essa última condição, com efeito, ocorreu na primeira década do século, quando o Brasil ameaçou deslanchar sua economia e muitos apostaram nisso, retornando ao país.
Mas o maior argumento a favor da manutenção da ligação dos brasileiros nos EUA com o Brasil é econômico. De acordo com o Banco Central, 2,32 bilhões de dólares foram enviados ao Brasil pela comunidade brasileira nos Estados Unidos em 2022, um recorde. Valor, por exemplo, quase equivalente ao PIB de uma cidade como Ipatinga, em Minas Gerais (11,9 bilhões de reais em 2019), ela própria grande fornecedora de migrantes para os EUA.
Mais um ponto a favor dessa relação é a crescente participação da comunidade no processo eleitoral brasileiro, que vem avançando a cada eleição. Na última votação para presidente em 2022, cerca de 180 mil brasileiros foram às urnas nas seções localizadas nos Estados Unidos, um número 39% maior que na eleição anterior. Com o aumento progressivo da participação e quase dois milhões de eleitores em potencial, o voto dos brasileiros nos Estados Unidos poderá até mesmo decidir uma eleição mais apertada.
Pelo grande número de brasileiros nos Estados Unidos, por sua importância disseminadora de cultura, por sua contribuição econômica, sua relevância eleitoral e pelos laços mantidos com o Brasil, já é hora de haver um representante da comunidade no Congresso brasileiro. É preciso abrir um posto no parlamento brasileiro para um representante eleito nos Estados Unidos. Temas como dupla nacionalidade, política fiscal e monetária, aposentadoria, incentivos de retorno, proteção ao cidadão, projetos culturais, atendimento consular, seguro saúde, imigração, entre outros, precisam ser tratados no Congresso por um representante legítimo que, ele próprio como imigrante, tenha conhecimento prático das necessidades dos representados.
Comunidades com semelhante presença no exterior, como a italiana, já promoveram a existência de representantes eleitos fora do país. Desde 2006, seis milhões de italianos que vivem no exterior já votaram em dezoito parlamentares que moram fora da Itália – doze deputados e seis senadores. No total, há 4,4 milhões de brasileiros vivendo no exterior, dois terços do número de italianos, mas nenhuma representatividade parlamentar.
Outras grandes comunidades brasileiras no exterior, como em Portugal, no Japão e na Grã-Bretanha, têm relevância e necessidades próprias e merecem também uma representação no futuro. O importante agora é que o debate seja aberto e que parta da maior comunidade brasileira fora do Brasil, que merece uma representatividade política à altura da sua importância para o país natal.
A comunidade brasileira nos Estados Unidos não é feita de migrantes que abandonaram o Brasil à própria sorte pelo bem individual. Ela mantém sua ligação com o país de forma indestrutível, tanto cultural quanto econômica e politicamente. Os brasileiros nos Estados Unidos querem contribuir para o progresso do Brasil com suas ideias e experiêncas, ao mesmo tempo que possam contar com um representante legítimo para cuidar das suas necessidades no exterior.
* Jorge M Nunes é diretor do AcheiUSA