Funcionários negros eram humilhados e separados dos brancos na companhia, no Colorado; imigrantes também sofriam ameaças
DA REDAÇÃO (com Folha de S.Paulo) – O brasiliense Andre DeOliveira, 56, ganhou, assim como seis colegas seus, uma indenização de US$ 2 milhões por discriminação racial na empresa Matheson Trucking, onde trabalha desde 2006, mostra matéria publicada pelo jornal Folha de S.Paulo e apurada pela repórter Giuliana Vallone.
De acordo com a ação, os funcionários negros eram humilhados e separados dos brancos na companhia, que presta serviços para os Correios. Oliveira, que vive no Colorado (EUA) há 21 anos, diz que ainda não sabe o que fará com o dinheiro.
Leia abaixo o depoimento de DeOliveira.
*
Eu vim para os EUA em 1993, para me tornar mestre em tae kwon do. Sempre fui ligado à arte marcial, fui campeão brasileiro cinco vezes e depois técnico no Brasil. Tive que ralar muito, trabalhei na limpeza, na construção civil, vendi carros.
Em 2005, consegui abrir a minha academia, Champion Taekwondo Academy.
Mas a economia ia mal e tive que arrumar um emprego de meio expediente para conseguir mantê-la.
Entrei na Matheson em 2006, era uma empresa bacana. Mas, em 2008, a empresa contratou uma nova gerente e ela mudou o clima do lugar. Com o tempo, percebemos que ela tratava negros e imigrantes de um jeito diferente, nunca falava conosco.
No galpão em que trabalhamos, há duas seções e uma delas tem um volume de correspondências bem maior que o outro. E ela, ao fazer a escala, sempre colocava os negros na área mais dura – às vezes, quando terminávamos nossa parte, éramos mandados para a outra seção para terminar o trabalho dos brancos.
Começamos a reclamar e todo mundo passava o problema para frente. Em meio às denúncias, as coisas foram ficando piores. Gritavam com a gente, nos chamavam de “nigger” (termo em inglês usado de forma pejorativa para se referir a pessoas negras). Vi meus amigos sendo chamados de “africanos estúpidos e preguiçosos”.
Um funcionário me dizia não entender por que a empresa contratava pessoas de outro país, que não tinham capacidade de fazer o trabalho. Um maluco que tinha uma arma em casa disse que ia trazê-la para a empresa um dia e matar todos os africanos e estrangeiros.
Em 2010, a gerente mudou a escala e tirou os nossos nomes, teríamos que esperar eles nos ligarem quando houvesse trabalho para nós, era uma demissão disfarçada. E ela contratou novos funcionários, todos brancos.
Fui à empresa, reclamei muito e eles me devolveram meu emprego. Mas em 2011, fizeram isso de novo. No mesmo ano, procuramos um advogado.
Quando viram o processo era sério, me ofereceram meu trabalho de volta. Aceitei, por orientação do meu advogado e continuo trabalhando na empresa até hoje.
O julgamento foi muito emocionante para todos nós. O que eu passei foi humilhante, nunca contei para minha família, amigos, tinha vergonha. Não foi fácil, mas hoje eu sou considerado pelo que eu sou, não pela minha cor ou pela minha origem.
Vou pedir demissão da empresa, claro, só estou aguardando uma posição dos meus advogados – eles disseram que a Matheson vai apelar da decisão. Mas para mim, o importante é que conseguimos provar que há discriminação.
Eu ainda não pensei no que vou fazer com o dinheiro. Nesse momento, estou mais focado em desabafar.
Mas minha prioridade sempre será minhas três filhas – quero dar a elas uma condição melhor de vida.