Um brasileiro natural de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, virou manchete no The New York Times e outras publicações internacionais após ser preso por uma situação peculiar: ter ficado hospedado por cinco anos no renomado Hotel New Yorker sem pagar pela estadia.
Mickey Barreto, que morava na Califórnia, chegou ao hotel nova-iorquino em uma tarde de junho de 2018. Ele e seu companheiro Matthew Hannan ocuparam o quarto 2565, com taxa de cerca de $200 a noite. No entanto, em vez de sair na manhã seguinte, eles permaneceram no hotel, alegando direitos baseados em uma lei local de aluguel.
Foi Hannan quem contou para Barreto as regras de habitação a preços acessíveis que se aplicam aos hotéis da cidade de New York. Foi então que o brasileiro resolveu pesquisar se o hotel onde estavam hospedado estava sujeito à Lei de Estabilização de Aluguéis. E, segundo ele, estava.
A legislação, criada em 1969, incluiu uma série de quartos de hotel, especificamente os construídos antes daquele ano e alugados por menos de $88 por semana até maio de 1968. De acordo com a lei, um hóspede poderia se tornar residente permanente se solicitasse um aluguel com desconto, incluindo os mesmos serviços oferecidos a um hóspede regular. O quarto torna-se assim, essencialmente, um apartamento subsidiado dentro de um hotel.
De acordo com os documentos judiciais, Barreto resolveu então entregar uma carta ao gerente do hotel solicitando o aluguel do quarto 2565 por seis meses, mas foi informado de que não existia essa opção no New Yorker. O gerente solicitou que o brasileiro, que já estava devendo a estadia, desocupasse o quarto, mas o casal não retirou seus pertences. Quando os funcionários o fizeram, Barreto foi até o Tribunal de Habitação de New York e entrou com um processo contra o hotel.
Em uma declaração datada de 22 de junho de 2018, o brasileiro citou leis estaduais, códigos locais e um processo judicial anterior argumentando que seu pedido de aluguel o tornava automaticamente um “residente permanente do hotel”. A remoção de seus itens, portanto, deveria ser tratada como um “despejo ilegal”.
Em audiência no dia 10 de julho, o juiz Jack Stoller decidiu a favor de Barreto. Stoller não apenas concordou com seus argumentos como ordenou que o hotel “devolvesse imediatamente ao peticionário a posse das instalações em questão, fornecendo-lhe uma chave”. Barreto retornou ao quarto 2565, dessa vez como residente permanente do hotel — que, mais tarde, ele viria a requerer como sua propriedade.
Novo Proprietário do Hotel
Dias após a decisão, o casal notou que no documento não constava nenhuma ordem para que o hotel cobrasse aluguel ou colocasse um limite de estadia. Foi assim que Barreto entendeu que aquele era um “julgamento final de posse”.
Com a ordem do juiz em mãos, Barreto foi ao escritório da repartição em Lower Manhattan e pediu a um funcionário para colocar o quarto 2565 em seu nome — como faria um novo proprietário —, mas foi informado que o hotel, ao contrário de apartamentos em um prédio residencial, não estava dividido nos registros da cidade por quartos. Assim, citando a ordem do juiz, Barreto preencheu os documentos se declarando o novo proprietário do New Yorker.
Enquanto isso, os advogados do hotel entraram com uma ação para despejar Barreto, alegando que o hotel estava isento das disposições hoteleiras da lei habitacional em questão. Porém, a administração do hotel não conseguiu fornecer documentação para provar que a tarifa semanal do New Yorker era na época superior a $88, conforme exigia a legislação. O juiz então negou continuidade ao processo.
Barreto, por sua vez, protocolou a escritura do hotel. Em 17 de maio de 2019, quase um ano depois de ter entrado no hotel pela primeira vez, o brasileiro foi identificado no Acris como “proprietário do New Yorker”, um edifício de 111 mil metros quadrados. Até então, o único proprietário desde 1976 era a Igreja da Unificação do Reverendo Moon.
A partir daí, Barreto passou a solicitar informações financeiras do hotel e exigir participação nos lucros. Mas, a trama do brasileiro acabou quando, poucos meses depois, um juiz emitiu uma decisão: “A escritura em questão é forjada, em todos os sentidos”, escreveu.
Apesar da decisão do juiz, Barreto ainda era residente legal do hotel. Depois de vencer dois processos judiciais, ele tinha direito a um aluguel estável de um quarto no New Yorker, além de acesso ao serviço de quarto. Mas o brasileiro se recusou a assinar o contrato e pagar o aluguel.
Finalmente, no ano passado, um juiz decidiu a favor do New Yorker, citando a recusa de Barreto em pagar ou assinar um contrato de aluguel.
Em julho, Mickey Barreto foi despejado, preso e processado em um tribunal de Manhattan por 24 acusações — incluindo 14 por fraude criminal — no que os promotores consideram ser um “esquema criminoso para reivindicar a propriedade do hotel New Yorker”.
Apesar de ter morado com ele por cinco anos no hotel, Hannan não foi indiciado ou acusado de qualquer crime. Já Barreto pagou fiança para aguardar em liberdade o julgamento no Supremo Tribunal do Estado de New York em Manhattan. Se condenado, o brasileiro poderá passar vários anos na cadeia.
Enquanto isso, o caso continua a atrair atenção internacional por conta da facilidade com que Barreto transferiu um hotel de 41 andares em Manhattan para o seu nome. “Isso prova que o departamento de registros da cidade é falho e não está prestando atenção”, disse Bill Lienhard, advogado que já representou diversas vítimas de roubo de títulos em New York.
*com informações do The New York Times e O Globo