Histórico

Brasileiro conta dia a dia numa prisão americana

Alfredo Oliveira, de 40 anos, foi sentenciado a prisão perpétua e cumpre pena em Punta Gorda (FL)

Joselina Reis

Em dezembro de 2012, Alfredo Oliveira, interno do Instituto Penal Charlotte, em Punta Gorda (FL), enviou uma carta ao AcheiUSA solicitando que a redação enviasse um exemplar da publicação, o que foi prontamente atendido. “Eu não tenho nada para fazer aqui, queria pelo menos ter algo para ler porque são muitas as preocupações e não quero ficar dopado de remédios para depressão. Quero ocupar minha mente com algo positivo, e sei que o jornal de vocês tem muitas notícias relacionadas com a nossa comunidade brasileira no sul da Flórida” (16 de dezembro de 2012). A partir daí, ele começou a série de correspondências com a redação do jornal falando sobre seu dia a dia na prisão. Um ano depois, Alfredo autorizou que uma reportagem fosse elaborada usando o conteúdo de suas cartas.

Alfredo de Oliveira, 40 anos, nasceu em Porangatu (GO) e no ano 2000 veio para os Estados Unidos. Há sete anos está encarcerado e deve ficar no mesmo lugar pelo resto da vida. Mesmo sabendo que todas as cartas enviadas e recebidas pelos presos são abertas e lidas, e muitas vezes ‘extraviadas’ ele não deixou de contar detalhes do seu dia a dia para a redação do AcheiUSA inclusive aqueles nada fáceis de ler. “Aqui é um lugar muito ruim. As pessoas são muito negativas, invejosas, há muita discórdia entre os presos. As pessoas andam de cabeça baixa sem uma direção. Não quero isso para mim” (28 de abril/2013).

Atendendo um de seus pedidos, a redação do AcheiUSA publicou gratuitamente um recado de Alfredo à comunidade brasileira onde ele pedia para que pessoas escrevessem cartas para ele. Infelizmente ele nunca recebeu as tais cartas que esperava.

Entre todas as cartas enviadas nesses doze meses de correspondência, alguns trechos foram marcantes como: “Os negros americanos fazem os brancos de mulher” (28 de abril/2013); “Você não sabe o quanto dói ficar isolado, esquecido pelos demais, até mesmo por alguns da família e amigos. Não querem saber nem de enviar uma carta. Você fica semanas e semanas esperando por uma carta … essa é a triste realidade de um presidiário” (20 de abril/2013); “Quero agradecer por ter mandado o jornal e muitíssimo obrigado por não ter esquecido de mim, muitos não sabem o que um jornal pode fazer, uma carta, um bilhetinho, um cartão postal para quem está onde eu estou nesse momento. Aqui é um mundo totalmente desconhecido para o mundo lá fora, daqui nada podemos ver, a não ser os guardas e a imensa cerca de arame com pontas de lâminas afiadas ao redor da prisão. Talvez para muitos isso (correspondência) não significa nada, mas para mim que estou preso isso significa muitíssimo. Isso me ajuda a me sentir melhor, ajuda a estar informado sobre o que está acontecendo lá fora” (4 de agosto de 2013).

O cotidiano dentro da prisão foi mostrado em partes de seus textos como sendo um local onde os dententos “pressionam os colegas para entrarem em gangues, roubam a comida e intimidam”, “onde faltam selo, papel e envelope para mandar as cartas” e onde Alfredo “recebe o jornal com até duas semanas de atraso”. O pouco que eles têm também não dura muito “quando tem inspeção os guardas jogam muitas coisas dos presidiários fora, inclusive uma coleção de recortes do AcheiUSA”, disse ele em suas cartas.

Leia abaixo algumas das perguntas e respostas da entrevista que Alfredo Oliveira concedeu ao AcheiUSA, através de uma carta:

AcheiUSA: Qual o motivo de sua prisão?
Alfredo Oliveira: Eu estou preso porque acidentalmente cometi um assassinato.

AU: Você tem família nos EUA?
AO: Eu não tenho nenhum famililar vivendo nos EUA. A única família que eu tenho aqui é um pastor da Igreja da Graça de Deus, Anderson, e sua família, que sempre me ajudam como podem.

AU: Quais foram as circunstâncias da sua prisão?
AO: O motivo foi um crime passional e fui acusado de assassinato em primeiro grau. Por isso a juíza me sentenciou com prisão perpétua.

AU: Como foi o dia em que você foi preso?
AO: Bom, foi um dia que eu não estava trabalhando porque eu tinha batido minha caminhonete e fui comprar peças em um ferro velho em Miami. Resolvi fazer uma ligação para alguém para saber como estava e tudo aconteceu muito rápido. Foi algo que eu não esperava, e me levou a raciocinar de forma violenta. Foi o pior dia da minha vida.

AU: O que o levou a cometer esse erro que o levou a prisão?
AO: Foi um ataque de ciúmes. Quando peguei minha mulher na cama com outro homem. Naquela hora foi quando eu perdi a cabeça e a pior desgraça aconteceu, por isso estou na prisão.

AU: Quanto tempo você ainda vai ficar encarcerado?
AO: Para falar sério não sei. O que preciso é de um advogado que trabalhe em meu caso. Na Flórida, por lei, a sentença de um crime passional é de no máximo 25 anos de prisão.

AU: Onde esta sua família no Brasil?
AO: Minha família mora em Goiás em uma pequena cidade chamada Nova Veneza.

AU: A sua família já tentou entrar em contato com você?
AO: Quando fui preso, o pastor Anderson ligou para meus pais para falar que eu estava preso. Como no Brasil as coisas são mais difíceis, eles não podem fazer nada para me ajudar por motivo financeiro.

AU: Como é a rotina na prisão?
AO: A prisão está cheia de rotina, aqui temos que esperar pela ordem para poder comer, dormir, tomar banho e esperar para ver que horas vamos sair para tomar banho de sol. Onde estou, somos 54 presos no total. Em cada cela tem dois presos com duas camas, uma embaixo outra em cima, um vaso e uma pia. Todos nós levantamos às 5am e esperamos quando o guarda abre a porta para podermos sair em fila para a cafeteria. Todo mundo tem que andar em fila sem poder conversar, senão o guarda põe você por uma hora de castigo com a cara na parede que é para todo mundo que passa te ver e fazer comentários. O café tem grits, uma espécie de milho moído com água, e duas fatias de pão e purê de batata e um carne feita de soja. Temos de 3 a 4 minutos para comer. Tanto faz café da manhã, almoço ou jantar, todos os dias é a mesma coisa. Quando voltamos para a cela tem a contagem. Às 8am, eles nos chamam para trabalhar na cozinha. Eu trabalho na jardinagem. Essa é a mesma rotina todo dia dentro da prisão, com exceção de quando nos deixam tomar banho de sol pela manhã ou a tarde, dependendo de como vão as coisas. Se tem alguma briga ou se alguém foi apunhalado na escola ou dentro da cela, eles nos deixam de castigo por 72 horas sem fazer nada.

AU: Qual foi o pior dia que você passou aí dentro?
AO: Foi o dia que fui preso, quando caí em consciência do que tinha acontecido e que tinha feito uma besteira na vida da mulher que eu amava tanto. Não sabia o que fazer. Mas já era tarde.

AU: Como está seu processo judicial?
AO: Quero apelar da minha sentença e solicitar um novo julgamento. Sei que tenho que trabalhar muito em meus papéis legais para que a Suprema Corte autorize. Tenho muita fé em Deus, sei que ele vai me ajudar.

AU: Sem pode sair da prisão, o que você gostaria de receber de Natal?
AO: Sonho com um rádio mp3. Para colocar músicas gospel e outras músicas brasileiras que me fazem recordar do meu país e poder ouvir quando estiver triste e angustiado. Só que não posso comprar, porque custa muito caro ($120), e cada música custa $0.75. Aqui a gente pode comprar as músicas em uma máquina.

AU: Como foi que você descobriu o AcheiUSA?
AO: Foi através da revista Linha Aberta que recebo mensalmente aqui na prisão. Pedi ao meu pastor que conseguisse um exemplar do AcheiUSA. Quando ele me enviou, resolvi escrever uma carta para vocês. E desde esse dia, graças a Deus, nunca fiquei sem receber o jornal em minha cela e sempre compartilho com outros presos. Só tenho que agradecer a Deus e à equipe do jornal AcheiUSA por tudo que fazem por mim.

AU: Você fala inglês? Como se comunica com outros presos?
AO: Não falo inglês. O que aprendi foi falar espanhol. É assim que me comunico com as pessoas e os demais presos. Foi por não falar inglês que estou aqui com um sentença tão alta. Não sabia falar inglês e assinei uma sentença de prisão perpétua e agora não posso fazer nada porque não tenho dinheiro para um advogado.

AU: Há muitos brasileiros com você?
AO: Sim, tem outro brasileiro aqui só que ele está em outro lado da prisão e não temos contato. Ele tem família que mora em Boca. Ele sai para visitas aos sábados e domingos.

AU: Como é o tratamento recebido pelos presidiários, comida e segurança?
AO: O tratamento recebido pelos presos é um pouco frio. Porque você não pode confiar em ninguém, porque você não sabe se o cara está sendo verdadeiro ou está querendo se aproveitar de alguma coisa. A prisão não é um jogo, você não tem amigos na prisão. A comida é de má qualidade, tem dia que a comida está mal preparada e causa diarreia.

AU: Há muitas brigas aí dentro?
AO: Sim tem muita briga. Nos últimos dois meses duas pessoas foram mortas em brigas e três presos, que foam apunhalados, estão no hospital. Aqui se levanta pela graça de Deus! Você tem que se manter longe do jogo das gangues e não se aproximar muito dos homossexuais. Sai muita briga e até morte por causa dos gays.

AU: O que você faz para passar o tempo?
AO: Procuro me envolver ao máximo em todo tipo de programa que pode me ajudar a passar o meu tempo da melhor maneira possível e, ao mesmo tempo, ajudar os outros presos que precisam de ajuda. Um programa que está me ajudando muito é o chamado LifePath Group. Também sou voluntário na pintura e jardinagem, corto a grama do presídio.

AU: Você já recebeu alguma visita na prisão?
AO: Nos 18 meses que estou em Charlotte recebi uma visita de um membro da igreja.

AU: O que nossos leitores podem fazer para te ajudar ?
AO: As pessoas podem me ajudar conseguindo um advogado para reabrir meu processo e, como não tenho família nos EUA, passo muita necessidade aqui dentro. Não tenho como comprar selo, papel e envelope e coisas básicas de higiene.

AU: Você tem planos para o futuro?
AO: Tenho certeza que Deus tem um futuro melhor para mim. Sonho em voltar para o Brasil e ver minha família e começar uma nova vida. Casar e ter filhos. Também estou escrevendo um livro sobre minha experiência na prisão, o nome é My Life in Prison.

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