DA REDAÇÃO – Ela poderia passar despercebida como uma norte-americana nata. Do inglês sem sotaque até o próprio nome. Nada a denuncia como carioca. Porém, Suzy McCalley, 34, não perde nenhuma oportunidade que tem para deixar bem claro as suas origens. A última que teve aconteceu na porta da sua própria casa, na cidade de Winston-Salem, Carolina do Norte, onde mora com o filho e o marido, o prefeito Allen Joines. No dia 4 de julho, Suzy e o marido receberam cerca de 40 pessoas que, pela segunda noite consecutiva, pediram ao prefeito explicações quanto questões como pobreza, moradores de rua e mudanças na delegacia de polícia para combater a violência policial contra a comunidade negra.
“Eu tenho uma forte paixão sobre estes temas e apoio a posição de vocês”, disse Suzy aos presentes depois de ouvir o marido falar. “Vocês podem não saber quem eu sou, mas eu sou uma imigrante do Brasil que cresceu pobre”, completou ela admitindo que a cidade carece de diversidade migratória e a revelação de suas origens ainda choca as pessoas.
O seu envolvimento em questões sociais não acontece por acaso. Em pouco mais de uma década na cidade, Suzy participou de aulas contra o racismo e estreitou sua relação com organizações não governamentais que lutam pelos direitos raciais. “Os movimentos do Black Lives Matter acontecem há muitos anos e está mais forte agora devido aos últimos acontecimentos, mas ele deve permanecer por muito tempo”, diz. No ano passado Suzy atuou junto a escola do próprio filho para levar um treinamento sobre diversidade e inclusão racial aos alunos.
Entretanto, ela é muito mais do que uma ativista. O seu envolvimento na comunidade vai além de apoiar o marido prefeito em questões sociais. Há 12 anos residindo em Winston-Salem, depois de se mudar do Texas, Suzy é uma artista eclética. Cantora e compositora, com CD lançado, dramaturga, roteirista, atriz, violinista e, mais recentemente, instrutora de ioga na The Breathing Room (A Sala de Respiração), que ela fundou em 2013. Em 2015 ela deu início ao The Breathing Access, uma organização sem fins lucrativos que visa levar um programa de bem-estar para escolas e outras entidades através das aulas de ioga que a entidade ministra gratuitamente. O programa se estendeu para presos da penitenciária local. “Há seis meses procuramos o chefe de polícia para oferecer o programa de ioga para os presos e os resultados foram excelentes. Eles até começaram a fazer ioga por conta própria”, diz ela orgulhosa dos resultados que diz ter promovido a diminuição dos incidentes entre os detentos. O programa agora irá servir de modelo para outros condados do estado segundo ela.
Influências na infância
Por ser filha de missionários no Brasil, um norte-americano casado com uma brasileira, as mudanças de cidade e estado eram comuns. “Eu morei no Rio de Janeiro, na Bahia e em Pernambuco, explica ela completando que isso contribuiu para a sua convivência com pessoas de diferentes culturas e classes sociais.
Porém, as influências dos pais iriam para além da diversidade cultural. Ambos tocavam em duas bandas, uma de country rock e outra de bluegrass. As influências musicais, aliada à diversidade cultural durante a infância, marcaram profundamente a menina que sonhava em ser cantora. Seu primeiro “álbum”, foi gravado quando ela ainda era uma criança, aos cinco anos. Nunca foi lançado oficialmente, mas ajudou a pavimentar o gosto pela música que culminaria com o CD Into the Flames, lançado já na vida adulta, em 2017. “A arte sempre fez parte de minha vida”, diz Suzy.
Aos 9 anos os pais decidiram voltar para os Estados Unidos. O casal, e os cinco filhos, residiram por 1 ano na Flórida antes de se estabelecerem em Dallas, Texas. Suzy cursou dramaturgia e filosofia na faculdade do Texas obtendo sua segunda formação em Fine Arts e teatro no último mês de julho na Carolina do Norte.
Ela trabalha agora em uma nova música inspirada nos atuais movimentos do Black Lives Matter. O trabalho corre em conjunto com outra paixão de Suzy, o teatro e o cinema. “Estou escrevendo um roteiro de um filme que espero lançar em breve”, adianta ela. Apesar de ainda não ter terminado, o nome já foi escolhido, Iemanjá, outra influência da infância no Rio de Janeiro. A história da personagem principal é inspirada na vida da cantora Annita. “Trata-se de uma pessoa que teria nascido pobre e feito uma carreira fora das grandes gravadoras. A história lida também com questões raciais e imigratórias depois que a personagem se muda para Nova York” diz ela acrescentando que as filmagens devem acontecer no Rio de Janeiro.
Quanto ao fato de sempre dizer que é nascida no Brasil, Suzy não esconde o orgulho de sua origem. “Para mim, é uma parte grande de minha identidade. Foi a primeira cultura que conheci e eu tenho muito orgulho, seja da música, da culinária ou dos valores”, diz ela acrescentando que este orgulho é compartilhado pelo filho de 14 anos que, além de outras coisas, adora pão de queijo.