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O intrigante estilo de Naza

Das calçadas do Piauí às paredes da Casa Branca, Naza deu a volta ao mundo para provar seu talento

Naza define o próprio estilo como “realismo abstrato” (Foto: Reprodução Facebook)
Naza define o próprio estilo como “realismo abstrato” (Foto: Reprodução Facebook)

Hora marcada para entrevistá-la e nos primeiros contatos ela já dá uma demonstração da personalidade dispersa: não consegue me fornecer seu endereço corretamente. “Eu não sei se é 1245 ou 1425!”, diz Naza, ao telefone. Mas essa é uma daquelas esquisitices que só os privilegiados de talento podem ostentar. E esse direito ela conquistou. “Eu sou muito bagunçada”, se declara sem necessidade Maria Nazaré Maia Rufino, 48 anos, que recebeu a reportagem AcheiUSA em seu ateliê, em Deerfield Beach.

A “bagunça” é interior e já faz parte da vida da artista, conhecida como Naza. Ela tem dificuldade de organizar algumas informações na cabeça e coisas comuns como lembrar seu endereço, dias de compromisso e onde estacionou o carro, ou executar trabalhos domésticos, se tornam um martírio. Ela é capaz até de esquecer o dia e hora de uma vernissage, porém não esquece, até hoje, a origem humilde e os passos que teve que percorrer para chegar até o que é hoje: uma artista brasileira que já teve quadro pendurado nas paredes da Casa Branca, na casa de personalidades como Ivana Trump e Ayrton Senna, e conta com o privilégio de ser uma das artistas brasileiras que mais vende nos Estados Unidos. “A chance de Picasso se tornar ‘o Picasso’ eram maiores do que as de Maria Nazareth se tornar Naza”, diz a artista, lembrando a infância pobre em Santa Cruz do Piauí, em cujas calçadas deixou seus primeiros rabiscos a carvão. “Picasso estava na Europa, onde os movimentos culturais estavam acontecendo. Eu estava em Santa Cruz do Piauí, uma cidade onde passava carro uma vez por ano”, conta meio divertida.

Rabiscos nas calçadas do Piauí

Na época dos rabiscos em calçada ela ainda não tinha consciência do seu talento. Gostava de desenhar, e da irmã Maria das Dores recebia dicas de ângulos e rostos. “Ela era melhor do que eu mas nunca quis seguir a carreira”, diz. Seu talento começou a ser notado ao desenhar Jaqueline Kennedy e Nelson Rockefeller, ainda aos 11 anos e sem qualquer conhecimento sobre técnicas. Naquela época pediu ao pai para enviar seu trabalho para o programa Voz da América, o preferido do seu pai, e que era transmitido para o Brasil direto dos Estados Unidos, no que já parecia uma certa vontade de conquistar terras distantes.

Na adolescência foi estudar em outro estado, o Ceará, e continuou fazendo alguns trabalhos, mas sem pretensão. A vontade de ser profissional só surgiu mesmo em 1974, em Brasília, quando ela teve o primeiro contato com pincéis e tintas. Obstinada, resolveu “viver da arte” em Recife, para onde se mudou. Todos diziam que “artista morria de fome”, então ela resolveu ter uma profissão segura. Conseguiu alguns empregos para sustento. Até então já havia recebido uma menção honrosa em Brasília, em 1976, em sua primeira exposição coletiva.

Carreira em paralelo

A carreira foi mantida em paralelo e começaria a mudar em 1983, quando conheceu o marido, o americano Stuart McFarren, que a tirou de Picos, no Piauí, e a levou para outro mundo, em 1985.
Foi nesse mundo, os Estados Unidos, que ela pôde dar vazão ao seu talento. Como esposa de militar, vivendo no Panamá, tempo não lhe faltava. Começou a circular entre personalidades e autoridades, e uma delas, o ditador Alberto Noriega, foi pintado por Naza.

Seria apenas o primeiro dos mais importantes retratos que já pintou. Sempre se infiltrando em meios sociais restritos a pintora também teve a oportunidade de pintar Ayrton Senna, Roberto Carlos, além das socialites Ivana Trump, a brasileira Vera Loyola, a francesa Brigitte Bardot etc.

Os retratos foram o princípio, mas a vertente de Naza estava mesmo voltada para o abstrato e o figurativo, que passou a desenvolver nos Estados Unidos, especialmente na década de 1990.
Foram anos fáceis, até 95. Naza mantinha clientes no Brasil, dos quais pintava retratos, e com a receita desses trabalhos investia na carreira nos EUA. “Tudo que eu ganhava eu gastava com a minha carreira. Quantos eventos de 300 dólares por prato eu não fui para conhecer as pessoas? Quantos releases de eventos meus eu não mandei para os jornais americanos e eles nem publicavam nada?”, diz a artista explicando porque não é rica e como conheceu personalidades como Ivana Trump, em um desses jantares beneficentes. Ela acredita que tenha investido, em sua carreira, pelo menos 300 mil dólares.

Depressão e crise
Depois dessa fase de investimento foi que vieram os dias difíceis, quando ocorreu a desvalorização do Real, entre 1993 e 1998. Os trabalhos no Brasil foram ficando escassos e a vida dela começou “a virar uma bagunça”, como lembra.

Cinco anos após ter iniciado sua boa fase na Flórida, ela se viu sem dinheiro, tendo que se desfazer do caro estúdio que mantinha, e tendo que buscar novos rumos para sua vida. Só que ela não havia se preparado para tempos de crises e começou a entrar em depressão. “Eu fui ao poço. Por quase um ano fiquei em depressão. Eu não conseguia focalizar minha atenção numa saída para o meu problema”, lembra.

A solução veio através de remédios para aliviar a depressão química, descoberta na época do divórcio, no final dos anos 80. “É uma disfunção química que eu tenho; não depende de situações tristes para me deixar em crise e me deixa sem capacidade de organizar minhas idéias”, explica.

Vencida a depressão química, ela conseguiu se reorganizar. Passou a dar atenção exclusiva ao mercado norte-americano e descobriu que tinha muito campo para explorar. Pintando em casa, promovendo seu trabalho aqui e ali, foi conquistando espaço e fãs. Fez várias exposições locais, e em outro estados. Dos jantares beneficentes consequiu não só o convite para pintar Ivana, mas também contato como muitas socialites que conheceram e compraram seus trabalhos.

Livre dos retratos também teve mais tempo para se concentrar no abstrato, seu lado estilístico mais notável. As dores da vida real passou para as telas. “Eu sofro muito pintando. Cada tela, para mim, é dolorida, porque eu chegou em frente à tela, em branco, sem saber o que fazer. Vou só deixando fluir”, diz.

Doação a Clinton

Dessa forma surgiram quadros especiais, como a águia que pintou para comemorar a autorização do governo norte-americano de dupla cidadania para brasileiros. O presidente, na época, era Bill Clinton, que recebeu o quadro e, segundo a confidência de um fotógrafo amigo dela, manteve pendurado em sua sala na Casa Branca. O quadro agora está no acervo pessoal de Clinton.

Também pintou Ayrton Senna, ao presenciar no Brasil a comoção que sua morte causou no país. Doou o quadro para a Fundação Ayrton Senna e foi surprendida, depois, com um telefonema da mãe de Ayrton, que se tornou sua fã e cliente cativa também.

Mas não é só na “alta roda” que ela mantém seus clientes. Ela se orgulha de ter entre seus admiradores e clientes cativos um “mestre-de-obras” da Carolina do Norte, que já chegou a vender um mobile home para comprar um quadro. “Ele tem, atualmente, vários quadros meus e já determinou no seu testamento que os filhos não podem herdar meus quadros. Eles terão que ser doados para um museu”, revela.

Para ela, mais importante do que vender é ver seu trabalho sendo valorizado por quem o compra. Ela gosta de afirmar que quanto mais rico, menos sensível ao seu trabalho é o cliente. “Quem tem mansões é mais frio em relação à arte. Os meus compradores não têm móveis caros; eles têm arte na parede”, resume orgulhosa.

Prêmios

Para coroar feitos como esses também recebeu distinção em instituições como MASP – Museu de Arte de São Paulo e na Academia de Artes e Literatura, de Paris – nesta última ganhou o prêmio Croix D’Argent pela “contribuição para o melhoramento da raça humana”, com seu trabalho. Ganhou ainda diversos outros prêmios, que nunca parou para contar, e tem obras suas nos acervos do Museu of Hispanic and Latin American Art (Miami), Fayetteville Museum of Art (North Caroline).

Tantos trabalhos bem sucedidos lhe deram o status de artista de primeiro porte, o que ela admite. “Ninguém pode mais desvalorizar meus quadros”, afirma, sem pedantismo. O sucesso encara com naturalidade e sem estrelismo, e faz questão de afirmar que não está rica, mesmo tendo seus quadros valorizados, custando entre 3.000 e 8.000 dólares. “O sucesso do artista não se mede pelo quanto ele ganha mas quanto é respeitado”, afirma ela, que mantém um emprego cotidiano para pagar suas contas. O dinheiro que ganha com sua arte reinveste na arte, e guarda um pouco. “Prefiro viver humilde e saber que vou poder pagar minhas contas no final do mês”, diz Naza.

Questionada sobre como encara o sucesso que conseguiu na sua carreira, ela define com uma palavra: orgulho. “Tenho orgulho do que fiz. Meu passado é como se fossem várias vidas e quando eu olho para essas vidas vejo que fiz algo importante. Sair de onde eu saí e chegar aqui…”, deixa o pensamento em reticência, como que pedindo para o público, que conhece seu trabalho, completar.

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