Por Vanuza Ramos
As recentes notícias da morte de mais de 18 mexicanos dentro de uma caminhão, enquanto tentavam atravessar a fronteira do México, aterrorizou milhares de pessoas no mundo inteiro mas não foi surpresa para um grupo de brasileiros, que vive aqui na Flórida, e que já experimentou a sensação de chegar perto da morte na tentativa de chegar em território americano. São pessoas como as entrevistadas pelo AcheiUsa para a série Fronteira do México –um tour sem volta. “Eu quase viajei num caminhão desses”, diz D. B., catarinense que morava em Rondônia quando resolveu tentar a vida nos Estados Unidos.
O custo do seu investimento foi 10 mil dólares. E a sua aventura, entre Rondônia e Flórida, durou cerca de 40 dias. Tendo partido do Brasil em maio de 2001, teve sua primeira surpresa no aeroporto do México, de onde foi deportado. “Eu havia pago o coiote para fazer a reserva de hotel, o que ele não fez. Quando me perguntaram no aeroporto em que hotel eu iria ficar eu não soube dizer. Aí eles deportaram a gente”, conta D., que viajava com mais quatro brasileiros e só então começava a descobrir que estava na mão de um coiote iniciante. “Eu fui uma das primeiras pessoas que ele trouxe para os EUA”, lembra. A inexperência profissional causaria aos brasileiros transtornos inimagináveis. De volta ao Brasil, nem retornaram para a cidade de origem, ficando oito dias em São Paulo à espera de uma solução. E a solução foi entrar clandestinamente no México. “De São Paulo a gente foi para a Guatemala para entrar pela fronteira sul do México”, explica. Lá também conheceriam a corrupção policial. Já na terra dos ‘xicanos’ foram presos e tiveram que pagar 600 dólares para serem liberados. As prisões de turistas no México funcionam, na verdade, como uma forma de extorquir dinheiro.
Uma vez liberados, ficaram no sul do país por quase vinte dias esperando uma pessoa que iria de Miami para ‘carimbar’ os passaportes. O carimbo era uma falsificação de visto turístico para o México. “Enquanto ele não chegava a gente ficou num hotel pagando 80 dólares por dia”, lembra ele, que esperou quase vinte dias pelo “homem do carimbo”. Já em Hermocity, mais próximo da fronteira, eles foram outra vez detidos por oficiais, durante cinco horas. O intuito era o mesmo: dinheiro. “A gente falou que não tinha dinheiro; eu fingi que estava tendo um ataque cardíaco e só assim ele nos liberou; com medo que passasse mal”, recorda.
Situação parecida foi vivida pelos irmãos I.S. e F.S. “O pior é que eles (os oficiais mexicanos) não têm respeito nenhum por você. Eles colocam numa mesma sala mais de 60 pessoas”, contam os irmãos que diante da recusa de pagarem proprina demoraram a serem liberados. “Eles te falam: -a gente sabe que você está indo pela fronteira e você só têm um jeito de conseguir isso”. Nessa frase estava subtendido que só sairiam se pagassem o que eles pediam, 400 dólares por cada.
Quanto maior a propina, maior o prazo de visa de permanência no México
Essa situação foi vivida em Cidade do México, onde eles receberam autorização para ficar apenas 3 dias, diante da recusa de pagar a propina total. Acabaram negociando e pagando 300 pelos dois. mas ao tentar retirar a bagagem, na esteira, foram abordados por um homem que pedia 100 dólares por cada. E outra vez eles ouviriam a frase: “só eu posso te ajudar; custa x”.
Uma vez liberados, foram pegar um táxi pelo qual pagaram 24 dólares- e outra vez alguém surgiu do nada. Não era uma oficial, mas alguém justificando que eles tinham que pagar um seguro de 50 dólares pela corrida de táxi. “A essa altura se chegasse um sorveteiro pedindo dinheiro para alguma coisa a gente pagava, só para se ver livre”, destacam.
No hotel eles descobririam que teriam sido poupado das extorsões em separado se houvessem pago os 400 dólares, como foi pedido inicialmente. Quem pagou, sem negociar, ganhou 15 dias de permanência no país e não teve que pagar os 100 dólares para retirar a bagagem. Também não pagou o “seguro” do táxi. Também houve os que não se renderam à pressão psicológica e não pagaram os 400 dólares aos oficiais, sendo liberados da mesma forma.
As extorsões se seguiriam nas estradas, antes de chegar aos pontos de início de travessia da fronteira. “Logo na primeira barreira policial pediram 100 dólares por cada”, relata um dos irmãos. Se seguiriam outras três barreiras, e em duas delas o mesmo pedido de propina. “E o motorista desce do ônibus, vai tomar água, como que para dar tempo aos policiais de fazerem a limpeza nos passageiros”, dizem eles, impressionados com a conivência de todos os mexicanos na cadeia de extorsão que sobrevive às custas dos imigrantes que tentam atravessar pela fronteira.
E na quarta barreira policial eles desembolsaram os últimos 100 dólares. “A gente pensou que não ia conseguir; ainda tinha quatro barreiras e a gente já estava sem dinheiro”, recorda.
Mulheres também se arriscam
Se para um homem, acostumado a brigar pelas ruas, é difícil encarar a inospitalidade do México, para as mulheres é ainda mais complicado. As poucas que se arriscam também colecionam suas histórias.”É verdade sim que os mexicanos assediam a gente. Eles te chamam para ir a algum lugar; tentam te atrair oferecendo comida, refrigerante”, conta ela que viu algo parecido acontecer com uma jovem de 22 anos, que foi levada pelo coiote para comprar sanduíche e voltou apreensiva. Não chegou a ser violentada mas foi ‘tocada’ pelo coiote.
Também é difícil para as mulheres suportarem as condições anti-higiências de acomodação. “A gente fica num quarto com colchão mofado. Acho que todo mundo que vem pelo México dorme lá”, conta meio divertida, relatando que todos amanheceram “se coçando” após a primeira noite. “A sorte foi um creme vaginal que eu trazia do Brasil. Todo mundo usou o meu creme”, destaca, rindo. Não se divertia, porém, quando tinha que ir no banheiro com porta improvisada de lona. “A gente só ia acompanhada; alguém ficava na porta vigiando”, lembra.
O desconforto também gerava tensão. “A gente brigava por qualquer coisa. Ninguém podia ver um policial; o stress fazia a gente discutir à toa”, diz ela, que se auto proclamou a “mãezona” do grupo. “Eu tentava apaziguar; quando alguém começava a discutir eu tentava resolver”. C. Também se encarregava de cozinhar para a turma. Cozinhar a própria comida não é habitual. Geralmente os coiotes providenciam alimentação, o que não fizeram no caso deles que, durante estada em Hermocity, somente recebiam os ingredientes para preparar a alimentação.
C. sofreu ainda as pressões psicológicas dos pedágios mexicanos. “Em Hermocity alegaram um problema de ‘bagagem’ e a gente teve que pagar 100 dólares para sair do aeroporto; em outra cidade, que não lembro o nome, fomos parados na estrada. A gente tava com roupa de banho, para fingir que ia à praia. Ainda assim tivemos que pagar 200 dólares para sermos liberado”. Ela conta que temia pela vida e pela possibilidade de não chegar ao destino; ao sonho americano. “O meu maior medo era que meus colegas morressem porque, para passar pela fronteira tivemos que ficar um deitado em cima do outro, numa camionete”, revela. Eles sentiam falta de fôlego mas não podiam mudar de posição para respirar melhor. E a pior parte era quando o coiote, que dirigia a camionete, avisava que iam passar por uma barreira. “A gente nem respirava, com medo de ser descoberto. Tinha uma menina agachada embaixo do banco da frente do veículo; ela era quem mais sofria”, lembra sem saudade.
Quem também não tem saudade é C.M., que contou com a sorte para chegar até a fronteira. Tendo se perdido do amigo ainda no aeroporto de Cidade do México, conheceu sem querer a extrema pobreza e falta de higiene do país, se hospedando nos hotéis mais baratos encontrados. “Eu vi (no aeroporto) que meu amigo ficou para trás mas a polícia vinha vindo; então eu segui andando”, afirma. A partir daí ele só tinha um endereço de destino e conseguiu, com ajuda de um policial, embarcar em um avião. Sua história é digna de roteiro de road movie já que, uma vez aterrisando em Hermocity, contou outra vez com a ajuda de um policial para chegar até o hotel. “Mas o hotel era muito caro e eu resolvi ir logo para a cidade; eu só sabia que tinha que ir até Águas Pretas para encontrar com o coiote”, diz. Sem ter qualquer noção de espanhol e absolutamente sozinho – sem o habitual guia enviado pelos coiotes para apoiar o imigrante até chegar à fronteira- ele desceu, por engano, na cidade de Cananéias. “Mas eu pensava que estava em Águas Pretas. Eu tava lá esperando o coiote”, afirma ele que, só dois dias depois foi descobrir que estava longe da sua cidade destino. Daí iniciou outro périplo para alcançar a sua cidade destino. “Eu até que tive sorte… quando estava no hotel via muitos policiais baterem lá”, conta C.M. que, até então não pagara suborno a ninguém e imaginava-se perto de entrar na camionete que o traria até os Estados Unidos.
Descobriria depois que não haveria camionete; que teria que caminhar pelo deserto, como qualquer outro imigrante. E as surpresas só estariam começando…
Leia na próxima parte os relatos sobre a travessia no deserto. Sede, fome, desmaios, assaltos, perseguição pela polícia de imigração e prisão fazem parte das lembranças dos brasileiros.