Na semana passada, surgiu o boato de que os pagamentos do Bolsa Família, o polêmico benefício concedido pelo governo brasileiro a famílias de baixa renda, seriam suspensos de uma hora para outra. O boato espalhou-se rapidamente pelas mídias sociais e chegou até os beneficiados propriamente ditos, que correram em massa às agências da Caixa Econômica para sacar o que lhes restasse da tal bolsa. Resultado: tumultos e confusão nas agências, com desinformação e mal-entendidos generalizados entre os clientes e funcionários. Acabou que tudo não passava mesmo de um boato e o governo logo desmentiu o corte no programa, com a presidente Dilma Rousseff prometendo apurar e trazer à Justiça os que teriam sido os responsáveis pelo rumor.
Interessante foi acompanhar a reação das pessoas na maior e mais rápida fonte de informações hoje em dia – o Facebook. Imediatamente houve quem aprovasse a medida, malhando sem piedade o “bolsa esmola”, que seria na verdade uma compra de votos dissimulada através da distribuição de dinheiro para o eleitorado, desencorajando o trabalho e estimulando parasitas e vagabundos. Depois de desmentido o boato, o mesmo grupo de críticos passou a ver uma conspiração no caso, como se tivesse sido um movimento planejado pelo governo, sabe-se lá para quê.
Não é preciso dizer que a partir daí começaram as discussões e polêmicas de sempre, alimentadas pelo fato de que, embora seja uma grande fonte de notícias no cyberespaço, o Facebook também é o maior gerador de informações falsas que se pode encontrar nele.
Pessoalmente, acho que um programa que retira cerca de 40 milhões de pessoas da miséria absoluta usando somente 0,47% do PIB não pode ser de todo mau.
O Bolsa Família tem origem ainda no governo tucano de Fernando Henrique Cardoso, quando foram implantados alguns benefícios sociais como esforços para retirar da pobreza absoluta uma parcela siginificativa da população. Um desses programas foi o Bolsa Escola, idealizado pelo senador Cristóvam Buarque, hoje no PDT, mas que na época estava no PT de Lula. O programa transferia recursos para famílias com renda abaixo de R$90 mensais, que tivessem seus filhos matriculados na escola, para ajudar na manutenção dessas crianças, que geralmente contribuíam com trabalho para a renda da família e abandonavam os estudos por causa disso. O governo de Lula deu seguimento ao projeto, incorporando todos os programas de FHC em um só, primeiro chamando-o de Fome Zero, para depois finalmente adotar o seu nome atual, Bolsa Família, mantido pelo governo Dilma. As diretrizes são praticamente as mesmas das estabelecidas no Bolsa Escola durante o governo de FHC. As famílias precisam ter os filhos na escola e vacinados, não podem ter renda per capita superior a R$70 mensais e recebem de R$22 a R$200,00 mensais, dependendo do tamanho da família. É preciso provar periodicamente que as crianças frequentam a escola para garantir o recebimento da bolsa. Parece pouco, mas as cerca de 12 milhões de famílias beneficiadas pelo programa sobrevivem no limite da miséria absoluta e o resultado, segundo a Fundação Getúlio Vargas, é que o programa ajudou a diminuir a proporção de pobreza no País de 35,16% para 22,77% da população, em 14 anos. Muito embora se diga que o programa é uma espécie de assistencialismo que estimula a ociosidade e gera desemprego por acomodação, a taxa de desemprego no Brasil atualmente aproxima-se de uma baixa histórica, na faixa de 5,6%, o que tecnicamente significa emprego pleno na economia. Em algumas cidades, como Uberlândia (MG), por exemplo, o número de beneficiados pelo programa tem até caído, como resultado da inserção dos beneficiados no mercado de trabalho, com consequente aumento na sua renda. A melhora na situação financeira da família acaba por dispensar a ajuda federal e os beneficiados abrem mão do auxílio.
O ponto fundamental da questão não é a quem se deve o projeto, se ao governo A ou B, e assim endeusá-lo ou demonizá-lo de acordo com que lado se escolha. O ponto fundamental é o sucesso na retirada de 40 milhões de brasileiros que estavam em condições sub-humanas de sobrevivência, a um custo relativamente baixo para a economia, e que tem seu reflexo nela amplificado pela entrada de novos consumidores no mercado.
A revista The Economist periodicamente publica reportagens sobre o Bolsa Família, que chama de um “um programa antipobreza inventado na América Latina e que ganha adeptos em todo o mundo.” A revista também cita e aponta os problemas do programa, como a existência de fraudes, falta de fiscalização dos requisitos para a obtenção do benefício e outros problemas administrativos, mas jamais nega o seu aspecto mais relevante: o valor social e humano de retirar 40 milhões de pessoas da pobreza absoluta e trazê-las de volta à dignidade de sobreviver com um mínimo de esperança.