Entre a Maria que, grávida veio aos Estados Unidos para encontrar o pai do seu filho – e seu destino- e a criadora de Maria, Ângela Bretas, que também chegou no país em 1985, grávida, não se sabe quanta diferença existe. Não se sabe onde termina uma e começa a outra. A própria Ângela deixa pairar a dúvida, meio que se protegendo e fica é difícil saber se assim como Maria, em Sonho Americano, a autora foi assediada por patrões (“De repente duas mãos entrelaçam sua cintura. Em um ímpeto absurdo o homem lhe pede que deite-se com ele pelo dobro do preço que recebe para limpar a sua casa”*), sentiu-se humilhada e discriminada (“…era um ser humano incompleto aos olhos deles. Não podiam por um momento imaginar que aquela pessoa que limpava o chão, os banheiros e a louça pudesse ter sonhos, aspirações…”*) e se no meio do trabalho duro Ângela também tinha tempo de apreciar a natureza (“Era delicioso estar ali naquele jardim, desfrutando a bela vista e o calor do sol… entretanto não estava naquele jardim para desfrutar de sua beleza. Fora contratada para limpar o local e por isso segurava uma mangueira, com um balde, sabão e esponja aos seus pés descalços”*). A única certeza é que todos os sentimentos descritos por Ângela fazem parte, de alguma forma, da vida das brasileiras imigrantes, assim como Maria.
E a inspiração para criar Maria foi o espelho. Foi na segunda gravidez- já tendo perdido um filho em um aborto espontâneo, em meados de 85, na fria Boston- que Ângela resolveu começar a escrever sua história, que não tinha intenção de virar livro; tinha a pretensão de ser um diário e morrer em uma gaveta . “Eu passei a escrever para aliviar a solidão”, conta ela, que naquele tempo era recém-casada e ficava em casa enquanto o marido ia trabalhar. “Naquela época era difícil; não havia internet, jornais brasileiros e telefonar `para os parentes` também era difícil e caro”, lembra.
Um dia, com 25 dólares no bolso, foi em um órgão que ajuda necessitados para comprar um casaco usado. O frio já havia chegado e Ângela não tinha como se proteger. Em meio aos casacos Ângela viu algo que chamou a sua atenção: um máquina velha de datilografar. Não pensou duas vezes e voltou para casa com o novo mimo, ignorando o frio. “Eu não comprei o casaco mas nem senti o frio tamanha a alegria em ter comprado a máquina”, conta.
Na velha máquina começou seu “diário”. Não tardou, porém, que a necessidade a impulsionasse a buscar trabalho. E então “Angela/Maria” começou a sentir na pele o que é ser imigrante; e também passou a colocar no papel histórias de imigrante. Trabalhou como secretária, garçonete, raspou neve das ruas e entrou para o fantástico mundo do clean, o mais óbvio trabalho enfrentado pelas brasileiras. Em 12 anos trabalhando como house cleaner viu, ouviu e escreveu histórias.
Das experiências que viveu conta várias em Sonho Americano. Quando questionada sobre os piores trabalhos que enfrentou, diz que não foram os mais pesados mas aqueles em que foi alvo de discriminação. “Uma vez trabalhei numa festa, pendurando casacos nos cabides, e os convidados me olhavam de cima a baixo. Eu me sentia inferiorizada”, conta. “Se é honesto, você não tem que ter vergonha do que faz”, destaca Ângela, acrescentando que aprendeu “a ser mais humilde aqui” e que usou a sua vida nos EUA para aprender. “Eu soube não ofuscar minha vida de imigrante”.
Em 1998 veio para a Flórida, para oferecer melhores condições de vida aos dois filhos Hugo e Bruno. Fazia então um ano que tirara suas histórias da gaveta e as transformara em um livro, Sonho Americano, pela Alternative Press. Na época teve que pagar 2 mil dólares para publicá-lo.
Os tempos de imigrante ficaram para trás e Ângela já experimentava o gosto de ter liberdade e tempo para escrever, já que o marido passou a ter a própria companhia. Aqui foi dando continuidade aos seus trabalhos literários e passou a atuar também nos jornais locais – já escrevia para o Brazilian Times (para o qual ainda escreve) e havia trabalho para o Gazeta Brasileira, em Marlboro, de 89 a 91. Aqui escreveu para o Flórida Review, o Brazilian Sun e o Brazilian Paper, sempre como colaboradora.
Se perguntam como surgiu na sua veia a inclinação para escrever, ela apenas lembra um ditado antigo: “há poeta nato e poeta apto”, afirma, sem saber exatamente em qual dos dois se encaixa. “Acho que poderia me enquadrar no tipo poeta apto, que é aquele que se esforça para aprender e sobressai; mas há quem diga que eu sou nato”, diz.
Sobre seu desempenho como escritora ela afirma que não fez mais do que perseguir um sonho. “Às vezes a pessoa tem um dom e não sabe encontrar esse dom. Eu encontrei o meu. Porque não importa se você limpa casa, trabalha no brick, ou num restaurante, se você tem um dom, se gosta de fazer alguma outra coisa, ou tem um outro objetivo como exercer a profissão que exercia no Brasil, tem que buscar realizar esses anseios”, conclui Ângela, que parece ter descoberto nas letras o seu verdadeiro American Dream.
*Trechos do livro Sonho Americano, que será lançado dia 18.
Ângela tem outros dois livros no prelo e já escreveu outros dois: Éramos Quatro (romance) e Conversando com as estrelas (verso & prosa), aleem de ter participado de coletâneas
Lançamento e noite de autógrafos
A escritora Ângela Bretas estará lançando a segunda edição de Sonho Americano com uma noite de autógrafos no dia 18 de novembro, no restaurante Feijão Com Arroz. O convite custa 15 dólares com direito a coquetel e 1 livro autografado (com a opção de escolher outros livros da autora). Parte da renda será revertida para a Brazilian Mission. Dia 18, das 20h30 às 23h.
Na ocasião será servido coquetel com a participação de vários músicos locais. Haverá recitais de poesia e sorteio de brindes. Outras informações ou reservas pelo fone (561) 302-3193, ou pelo no site www.angelabretas.com.
Vanuza Ramos – AcheiUSA