Texto e fotos de Ronira Fruhstuck
A ideia sobre a viagem surgiu numa noite chuvosa e fria em Curitiba. Meus primos tinham acabado de chegar de São Pedro de Atacama, no Chile e empolgadíssimos discursavam sobre a beleza da região. Compreendi melhor a razão para tanto entusiasmo quando começaram a mostrar as fotos no laptop. Imediatamente, pensei: Tenho que ir conhecer esse lugar! Mais do que pensado, acredito que sacramentei o projeto ali naquele instante.
A viagem tinha todos meus ingredientes favoritos: aventura, exotismo, belezas naturais, e a promessa de me “maravilhar”. Este último sentimento, promessa de me “maravilhar”, sempre fez parte de minha filosofia de vida e, embora tente praticar isso diariamente, nada como uma viagem para adicionar mais “maravilhamentos” a tudo que já vi nessa vida e registrei com minhas lentes.
Minha cabeça estava feita: “Eu iria para o deserto de sal e areia!”
Com um pouco de planejamento, decidi os detalhes para aproveitar meu tempo ao máximo. De Miami, seria um voo de 9 horas até Santiago e depois dirigir os 1600 km pela Costeanera até chegar a São Pedro de Atacama.
Quando cheguei no guichê da locadora, no aeroporto de Santiago, não tinham mais o carro que eu havia alugado (para falar a verdade, eu nem lembrava qual carro tinha escolhido). O homem me explicou desconsertado que agora só havia um
carro menor, mais econômico e $150 dólares mais barato. Ele, envergonhado, me pedia mil desculpas e minha única pergunta foi: Esse outro carro tem 4 portas? Quando ele confirmou, disse no mais perfeito portunhol: Eu quiero!
O homem sorriu aliviado e eu fiquei feliz da vida. Indaguei sobre GPS e ele disse que seriam $15 dólares a mais por dia. “Sem chance”, exclamei. O coitado, ainda querendo me agradar pela falta do carro, me deu o GPS nas mãos e disse que iria incluí-lo gratuitamente porque não tinham o carro que reservei! Fiquei mais feliz da vida ainda!
Eu já sabia que o câmbio de dinheiro era muito mais favorável no centro de Santiago do que no aeroporto e agora com GPS tudo tinha ficado mais fácil! Estava chovendo muito, o trânsito um inferno, mas consegui trocar o dinheiro e agora era pé na estrada, rumo a São Pedro de Atacama!
Foi um pouco complicado até sair dos arredores de Santiago e entrar na Costeanera Norte. Depois ficou tranquilo, as estradas razoavelmente boas e o trânsito também. Estava definitivamente deixando os vales verdes do sul e entrando numa região extremamente árida, deserta e muito peculiar.
Depois de dirigir uns 400 km, cheguei em La Serena, uma cidade no litoral onde dormiria a primeira noite. Na manhã seguinte, continuaria mais 400 km até Bahia Inglesa, que é uma vila no litoral, com areia branca e mar azul turquesa. Seria perfeito para passear e dormir mais uma noite. Durante esse trajeto, o Pacífico me acompanhava na esquerda, majestoso e imponente com seus penhascos de rocha negra. À minha direita, deserto e montanhas que, com suas cores inexplicavelmente lindas, contrastavam com um céu sempre azul. Não se via uma viva alma. O ponteiro da gasolina começou a baixar, meu mapa indicava alguma cidadezinha, mas quando eu chegava, as cidades não passavam de pequenas vilas fantasmas. Deu sufoco! Comecei a regular, e descer na banguela, mas quando a gente desce, também tem que subir e com aquele carrinho eu tinha que mudar de marcha constantemente e a gasolina ia secando, secando.
Lição aprendida
Já na reserva e rezando para tudo quanto era santo, finalmente avistei um posto lá na frente. Depois dessa, aprendi que controlar e calcular a gasolina seria primordial durante a viagem.
Teria ainda que parar mais uma noite, antes de deixar a costa do Pacifico para trás e entrar no Deserto de Atacama, onde, como uma das regiões mais áridas do mundo, raramente chove.
Dessa vez, parei em Antofagasta, uma das maiores cidades da região. Dali seriam mais uns 340 km até São Pedro de Atacama, onde finalmente cheguei às 5:30 da tarde do dia seguinte. Só deu tempo de largar a mochila na pousada e sair para pegar o por do sol no Vale da Lua, onde rochas esculpidas pelos ventos e areia misturada com as partículas de sal formam paisagens surreais, de um colorido fantástico. O terreno de origem vulcânica, iluminado pela luz alaranjada do fim de tarde, faz tudo parecer a um vale lunar !
Obviamente escureceu e, na pressa de não perder o por do sol, prestei pouca ou nenhuma atenção onde era minha pousada. Quando voltei do Vale da Lua, já estava escuro e as ruas de São Pedro estavam cheias de gente, com um movimento enorme de turistas, estudantes, bicicletas, etc. E eu sem a mínima ideia de onde estava hospedada. Sem brincadeira, rodei e rodei pelo menos 2 horas num labirinto de mãos únicas e estradinhas que no escuro pareciam todas iguais. E o GPS não funcionava. Sabia o nome da rua, eu estava na rua, mas não conseguia chegar. Exausta da viagem e já de saco cheio de tanto perguntar e me perder, estava prestes a desistir quando olhei para cima e vi, pendurada numa árvore, bem escondida, a placa de minha pousada (Provavelmente, deveria ter passado pela frente dela umas dez vezes!).
Na manhã seguinte, saí com destino aos Lagos Altiplanos, Parque Nacional dos Flamingos e Salar de Atacama. Dirigi o dia inteiro pelo deserto que me surpreendia com sua beleza a cada instante. Realmente, a natureza caprichou com paisagens muito diferentes de tudo o que já vi. Quando cheguei às lagoas de Miscanti e Minique, ventava muito, o frio era intenso, mas o visual das lagoas, com seu azul intenso e vulcões ao fundo, seria para sempre uma das paisagens mais lindas que já vi!
Planejei estar no fim da tarde na Reserva Nacional dos Flamingos, onde se encontra o Salar de Atacama, que é o segundo maior salar do mundo com 3 mil km quadrados. Enormes vulcões dominam a paisagem e várias espécies de flamingos deixam o cenário ainda mais exuberante. O por do sol foi incrivelmente lindo!
- Parte I – Deserto de Atacama, no Chile, e Salar de Uyuni
- Parte II – Viagem para a Bolívia
- Parte III – Paisagem surreal que seduz os visitantes