Ao contrário das minhas duas irmãs, eu não tenho o sobrenome do meu lado materno, Souza. Quando nasci, meu pai, Jorge Milton Moreira Nunes, tinha um certo renome em círculos literários e jornalísticos da época. Por isso, a decisão familiar foi de que eu herdaria o Moreira Nunes, dispensando o Souza de minha mãe, na intenção de capitalizar uma futura celebridade paterna. Não sei se a tática funcionou ou não, mas o fato é que sou o único dos três filhos que não leva um Souza no sobrenome. Minhas irmãs são Souza Nunes. Quer dizer, uma delas, porque a outra casou-se com um jovem (na época do casamento, ça va sans dire) também de sobrenome Souza e passou de Souza Nunes para Nunes de Souza. Confuso.
Enfim, a proximidade da idade, digamos, provecta, faz com que a gente tenha vontade de buscar as origens, conhecer a ancestralidade, não sei bem porque. Talvez para tentar responder às perguntas fundamentais da vida: quem somos, de onde viemos? Mas divago. O fato é que depois de uma viagem a Portugal, onde encontrei parentes distantes da linhagem do meu avô materno, Ângelo Raymundo de Souza, resolvi pesquisar sobre essa minha origem lusitana.
Meu avô era um sujeito extraordinário. Era capaz de falar horas sobre um assunto sobre o qual nada sabia. Português, poderia ter-se tornado um dos homens mais poderosos do Brasil caso o general Lott, de quem era assessor direto, tivesse sido eleito presidente em 1960. Tinha um suprimento infinito de piadas de português e histórias familiares. Entre elas, as mais interessantes eram a lenda de que um dos nossos antepassados era filho ilegítimo de um nobre francês e a que dizia que um tio louco tinha posto fogo em um teatro no Porto. Outra rezava que o imenso carrilhão de pé da casa parou exatamente no momento em que o velho Ignácio, avô dele, morreu.
O sobrenome Souza é popular. Centenas de milhares ou mesmo milhões de pessoas em todo mundo o carregam, inclusive na América do Norte. Meu tio Álvaro Raymundo de Souza Neto (há tantos Álvaros na família que já estamos no sufixo Bisneto), que morou quase cinquenta anos nos Estados Unidos, gostava de brincar que era parente do compositor americano de dobrados militares, John Philip Sousa. A grafia do nome, a propósito, é motivo de polêmica, uns achando que o correto e mais tradicional é com S e outros com Z. Meu tio resolveu por alguma razão grafar com S o nome dele. Já minha mãe ficou com o Z. Confuso também.
A polêmica continua quando a gente descobre que o nome tem origem na região do rio Sousa, tributário do majestoso Douro, no concelho de Felgueiras, a 60km do Porto, cidade onde nasceu meu avô Ângelo. Segundo os alfarrábios, o primeiro a adotar o sobrenome foi um nobre de origem visigoda chamado Egas Gomes de Sousa, que viveu no século 11. Mas os mesmos alfarrábios dizem que a forma arcaica do nome era com Z. Com o S ou com Z, de qualquer maneira as origens dos Souza estão precisamente naquela região no norte de Portugal perto do rio Sousa, no distrito de Vizeu. No concelho há mesmo uma localidade chamada Sousa, com pouco mais de mil habitantes.
Pois o velho Ignácio Raymundo de Souza, meu trisavô, nasceu justamente em Resende (que também se escreve com Z), cidadezinha que fica a pouco mais de cinco quilômetros de Felgueiras, onde supostamente apareceu o nome Souza pela primeira vez. Resolvi então concluir por conta própria que nossa linhagem descende diretamente do ramo original da família em Portugal e, quem sabe, até do próprio lendário primeiro a envergar o nome, o bravo e nobre visigodo Egas Gomes de Sousa. Nosso ramo dos Souza, de Resende, Portugal, fica assim doravante considerado oriundo da pura linhagem do popular sobrenome. E desafio quem me contradiga.
Fica faltando saber o que que o Raymundo faz nessa história. Meu avô dizia que vinha de Raymond, aquele nobre e impetuoso francês que seduziu uma antepassada distante, mas há controvérsias.