O lucro dos multimilionários na Califórnia foi tão exorbitante na pandemia que o Estado alcançou uma arrecadação recorde, embolsando $75,7 bilhões a mais do que o previsto. Além disso, o governo federal vai repassar outros $27 bilhões aos cofres estaduais como parte do pacote de estímulo à economia devido ao impacto do coronavírus. É a maior fatia destinada a um Estado nos EUA, já que foi calculado com base no número de residentes desempregados. Diante desses mais de 100 bilhões de verba extra, o governador democrata Gavin Newsom anunciou esta semana a maior redistribuição de impostos já vista – a ser aprovada pelo Legislativo.
Por lei, dois terços dessa verba extra vão para escolas, caixa estadual e fundos de aposentadoria do funcionalismo, mas ainda sobram $38 bilhões que podem ser destinados a fins diversos.
O plano de Newsom é distribuir cerca de $8 bilhões diretamente aos contribuintes, na forma de cheques no valor de $600 a quem tem renda bruta ajustada de até $75 mil por ano, independente do seu status imigratório. Esse pagamento só vale para quem não recebeu $600 na primeira rodada do estímulo. Quem tem filhos, receberá adicionalmente mais $500. E indocumentados que pagam impostos também receberão $500 extras. De acordo com estimativas do governo estadual, a medida em parcela única contemplará quase 70% da população.
Outros $5,2 bilhões serão destinados a dobrar a assistência que já está sendo dada a pessoas de baixa renda para cobrir aluguéis e contas de água e luz atrasados – programa cujas inscrições foram anunciadas em março aqui nesta coluna.
O benefício atualmente é aberto a todos que ganhem até 80% da renda mediana regional, um teto que varia conforme o condado. Em Los Angeles, o valor-limite estabelecido é de $39,450 para um indivíduo e $45,050 para duas pessoas na mesma residência, independente de status imigratório. O governo estadual publica anualmente uma tabela que estabelece os níveis de renda por condado para até oito pessoas por moradia.
Para participar, é preciso ter se qualificado para o seguro-desemprego ou experimentado uma redução na renda familiar, incorrido em custos significativos ou enfrentado outras dificuldades financeiras devido à COVID-19, dentre outras situações que sejam possíveis de comprovar. Para mais detalhes, visite o site do programa estadual: housingisikey.com.
A proposta do governador é estender esse programa estadual a mais pessoas e cobrir 100% das dívidas de aluguel e “utilities”, tornando-o o mais abrangente da América. Obviamente, o orçamento anunciado pelo governador ainda precisará ser aprovado pela Assembléia Legislativa e o Senado estaduais, que com certeza farão emendas.
RECALL DO GOVERNADOR
Críticos do governador dizem que as medidas altamente populares seriam uma espécie de agrado à opinião pública em meio ao processo de “recall” dele – que pode deixar o governo ao final do ano se assim a população decidir substituí-lo. Essas eleições fora de época encampadas pelos republicanos devem custar $400 milhões aos cofres públicos.
De qualquer forma, a maioria dos californianos é a favor da redistribuição de renda de volta aos contribuintes mais carentes sempre que houver superávit de arrecadação, o que está inclusive previsto na Proposta 4, que virou lei em 1979 e foi revista em 1990 para incluir destinação de recursos também à rede estadual de ensino. Apesar da regra promulgada, esta é somente a segunda vez nos últimos 42 anos que os cofres públicos de fato recebem impostos a mais – ao contrário do que muitos imaginam.
De acordo com enquete realizada recentemente pela Universidade de Berkeley, 52% dos entrevistados apoiam o trabalho que Newsom vem fazendo como governador. Entre os descontentes com sua performance, os problemas mais citados são a crise dos moradores de rua, o custo absurdo de moradia, e a segurança pública.
Mas a eficiência na campanha estadual de vacinação está contando pontos positivos para o governante (54% de aprovação). A Califórnia é o Estado com o maior percentual de vacinados no país. Mais da metade da população recebeu ao menos uma dose. E atualmente exibe os menores índices de casos e mortes por Covid – após um período turbulento ao final de 2020, em que chegou a liderar a crise no país. Os números altamente otimistas abrem caminho para uma reabertura plena e segura da economia, prometida para 15 de junho.
Por isso, de acordo com a enquete realizada, 49% dos eleitores registrados se opõem a retirar Newsom do cargo. Somente cerca de um terço dos eleitores democratas e independentes dizem que votariam pelo recall, enquanto esse índice obviamente sobe para 75% exclusivamente entre republicanos – que, aliás, são minoria na Califórnia.
O único outro caso de recall em toda a história estadual foi quando o ator republicano Arnold Schwarzenegger assumiu o cargo em 2004. Mas as circunstâncias eram outras. Em uma enquete similar, realizada à época, 67% da população achava a administração do governador Gray Davis ruim ou péssima. Para Newsom, esse número é de 43%. Esta é a sexta tentativa do Partido Republicano de remover Newsom, que governa desde 2019.
MORADORES DE RUA
O governador da Califórnia, Gavin Newsom, também anunciou esta semana um arrojado pacote de $12 bilhões de investimentos para acolher os milhares de moradores de rua, cujas barracas ocupam as calçadas e viadutos das maiores cidades do Estado. O investimento pretende alojar cerca de 65 mil sem-teto, dar assistência a 300 mil pessoas para que tenham estabilidade no local onde moram e criará 46 mil novas unidades habitacionais.
As construções já vinham sendo realizadas pelo projeto Homekey desde o ano passado. Foram erguidas 6 mil minicasas em tempo recorde e por uma fração do custo que usualmente seria necessário para abrigar o contingente contemplado. Com o sucesso desse programa-piloto, a ideia agora é investir mais $8,75 bilhões para criar ao menos 46 mil novas unidades. Aqueles com necessidades mais graves terão prioridade, com pelo menos 28 mil novos leitos para pessoas com problemas de saúde mental, drogas e também idosos.
Newsom reconhece que não é uma solução definitiva, mas fala de um pontapé inicial de vulto considerável. A Califórnia quer acabar com a crise de moradia em cinco anos por meio de um novo investimento de $3,5 bilhões na prevenção de despejos, proporcionando auxílio-aluguel e novas oportunidades de moradia para pessoas em risco.