DA REDAÇÃO – O cenário em nada lembra o país mais rico e poderoso do mundo. São centenas de barracas espalhadas pelas ruas de São Francisco, lembrando cenas comuns de países em desenvolvimento como o Brasil. Somente na Califórnia são cerca de 151,258 pessoas vivendo nas ruas. O maior contingente em números absolutos do país, de acordo com a National Alliance to End Homeless. Em todo os EUA o número chega a 567,715 pessoas que não possuem um teto.
A situação na terra das estrelas de Hollywood já é considerado por muitos especialistas como uma pandemia. Hoje uma pandemia dentro de outra. Com o agravamento do desemprego puxado pela Covid-19, milhões de pessoas passaram a depender de ajuda externa para sobreviver. No auge da crise sanitária, muitos não conseguiam sequer comprar comida. Outros se viram entre pagar aluguel ou comprar itens de necessidade básica. Em um estado conhecido pelo auto custo dos aluguéis, a diminuição da renda ou até a perda total dela, empurrou muitos residentes para as ruas.
Em meio ao desespero de quem vive tal realidade, estão pessoas como o brasileiro Flávio Lima, 34, residente há 11 anos de São Francisco, que dedica parte de seu tempo para ajudar quem mora nas ruas. Cansado de esperar pela ajuda do estado, Flávio decidiu agir. Com a postagem de um vídeo nas redes sociais e em grupos de Whatsapp, ele relatou sua frustração e a necessidade de agir para levar um pouco de alívio às pessoas mais vulneráveis. A iniciativa surtiu efeito. Mais de vinte pessoas, entre amigos e desconhecidos, se manifestaram para ajudar. Foi arrecadado dinheiro, cobertores, sacos de dormir, roupas, água e alimentos para moradores em situação de rua.
Flávio diz que a maioria das pessoas quer ajudar, mas não sabe como. “Foi preciso alguém tomar a iniciativa e mostrar que qualquer um pode ajudar com qualquer quantia”, diz. O grupo no Whatsapp, criado após a divulgação do vídeo, ganhou o nome de Amigos do Bem.
“No dia em que fomos fazer a distribuição, formou-se uma enorme fila de pessoas para receber as doações. Isso me emocionou muito”, disse Flávio que, assim como aqueles na qual tenta ajudar, ele passou por um período de depressão e solidão quando chegou aos EUA. Hoje casado com filhos e proprietário de uma empresa de transporte de material hospitalar, ele reconhece que a sua experiência pessoal fez com que se preocupasse de forma especial com quem vive em situação de vulnerabilidade social e econômica.
LBV registra aumento na procura por ajuda
Em Nova York e Nova Jersey, primeiros estados a sofrerem com a crise do novo coronavírus no país, o desafio imposto às entidades filantrópicas foi um dos maiores dos últimos anos. Milhares de pessoas passaram a procurar organizações como a Legião da Boa Vontade na esperança de receberem ajuda com alimentos e artigos de primeira necessidade. O aumento de brasileiros necessitando de ajuda quadruplicou nos primeiro três meses da pandemia e a organização intensificou a campanha para arrecadação de alimentos para distribuição além de recrutar mais voluntários.
A crise foi sentida com mais intensidade pela comunidade de imigrantes brasileiros e latinos de Newark, Nova Jersey, onde muitos se encontram em situação irregular no país. Sem trabalho e à margem da assistência do governo, como seguro desemprego e renda emergencial, muitos viram na LBV uma das poucas entidades na qual podiam contar.
“A necessidade é muito grande e a fome está presente nesta comunidade que tem uma vasta população de portugueses, brasileiros e latinos que não tem acesso a programas sociais do governo federal”, disse Samantha Malaman, coordenadora de programas da LBV durante distribuição de alimentos na cidade de Newark.
Segundo Danilo Parmegiani, diretor-executivo da LBV em Manhattan, os imigrantes foram duplamente atinguidos pela pandemia. A muitos foi imposto o isolamento social, mas não chegou a ajuda financeira do governo. Foi um período de situações dramáticas”, disse ele que observou famílias de pessoas trabalhadoras entrando em desespero após o término das reservas financeiras. “Quando uma pessoa liga para a LBV pedindo uma cesta básica é porque a situação chegou a um nível crítico”, complementa ele.
Mesmo na crise, brasileiros ajudam quem precisa mais
A participação da comunidade brasileira surpreendeu. Dezenas de pessoas que estavam sem poder trabalhar, se apresentaram para ajudar na distribuição de alimentos. “É emocionante ver que no lugar que foi o epicentro da crise onde vemos muito sofrimento, também observamos o espírito de solidariedade crescer”, disse Danilo reconhecendo que os voluntários colocaram a própria saúde em risco ao saírem de suas casas para ajudar outras pessoas em um momento de altas taxas de contaminação ainda ocorrendo no estado.
Danilo diz que a demanda reduziu devido à volta parcial das atividades econômicas, mas que os números ainda não voltaram ao patamar pré-pandemia. Trabalhando com escolas públicas de Newark, a LBV conta com a ajuda das assistentes sociais para identificar famílias em situação de maior necessidade podendo assim direcionar as doações. “Durante a pandemia, nós demos atenção especial para famílias que estavam em isolamento obrigatório devido ao diagnóstico da doença. Nós deixávamos as cestas de alimento na porta das casas e ligávamos para a pessoa buscar”, explicou Danilo. Ele relembrou um dos casos que mais o marcou. Uma família onde foram deixar alimentos a matriarca havia acabado de falecer e o pai estava internado com Covid-19.
A meta da LBV é distribuir cerca de mil cestas de alimentos até dezembro. Para isso a organização conta com a ajuda da comunidade na doação de recursos financeiros e também de alimentos. Quem desejar ajudar, pode se informar através do website www.lgw.org.