Faltando pouco mais de 70 dias para a Copa do Mundo, o clima festivo que já deveria estar tomando conta das ruas no Brasil parece que este ano não vai dar as caras. Não porque a Seleção não esteja pronta para o desafio mas porque nem mesmo o esporte bretão será capaz de desviar a atenção dos enormes conflitos sociais do momento. A imprensa faz questão de dar a entender que tudo caminha as mil maravilhas, apesar de milhares de soldados nas ruas do Rio de Janeiro não serem capazes de conter a violência. O assassinato de Marielle foi o primeiro sinal de que por trás da calma aparente reina um caos. A pressão para que o caso se elucide é nula e talvez nunca seja completamente esclarecido porque o assunto que realmente interessa à imprensa é a situação de Lula.
A tradicional malhação de Judas, que normalmente ocorre no Sábado de Aleluia, havia sido programada para a última quinta (22), dia que o STF se reuniu para decidir a respeito do habeas corpus do ex-presidente. Naquele dia, já contando com com a decisão desfavorável a Lula, a Globo planejava um segmento especial em seus noticiários, mostrando imagens da carreira do político, desde os tempos do ABC até as masmorras e flashes de comemorações nas ruas (produzidas, claro). Como o resultado foi outro, assistir ao Jornal Nacional foi como presenciar um enterro. Curiosamente, a Netflix programou para lançar sua produção baseada na Lava-Jato ao mesmo tempo. O Mecanismo causou alvoroço pelas suas imprecisões históricas. Sob a justificativa de que a obra se “baseia em fatos reais”, o roteiro reescreveu a história descontextualizando tudo ao ponto de se assemelhar mais a uma postagem fake news. A reconstituição dos fatos só não é pior do que aquela versão para a TV sobre o crime da Lolita de Long Island, ocorrido nos anos 90, aonde Joey Buttafuoco aparece como um honestíssimo pai de família seduzido e manipulado pela pivete Amy Fisher.
Uma vez esvaziado o ritual de julgamento de recursos pelo TRF-4, que emitiria a voz de prisão a Lula na segunda (26), este partiu com tudo para uma caravana em meio ao covil dos leões, o sul do país. A esta altura os ânimos já estavam exaltados e a caravana foi recebida a tiros, não do povo, como se faz acreditar, mas de ativistas profissionais. Nesse interim, o ministro Fachin do STF vem se queixar sobre ameaças a sua família. Como ele votou contrariamente a se conceder HC a Lula, a imprensa automaticamente insinuou que tais ameaças só poderiam vir de elementos petistas e este fato se tornou mais relevante do que os buracos de bala na comitiva do ex-presidente. Não se pode dizer com certeza mas aparentemente há muitas semelhanças entre o atentado a Marielle e a caravana de Lula. Pode-se dizer que alguém está propositalmente pagando para ver e talvez este seja o sentido de tais ataques.
A este ponto, é importante ressaltar que o observador atento irá facilmente perceber um padrão nos noticiosos. Desde a condenação de Lula por Moro, a Folha e O Globo vinham publicando quase que diariamente pequenas matérias, com fontes anônimas, que insinuavam o ex-presidente estar preparado ou se preparando para o derradeiro momento da prisão, o que ele nunca admitiu. Tais notícias vazias, sem nenhum fato para corroborá-las, buscavam alterar o resultado das pesquisas eleitorais, ao mesmo tempo em que preparava o imaginário popular para esta realidade. Agora, a partir do momento em que o STF se mostrou propenso a deixar Lula liberto, os noticiários instem e atribuem toda a violência gerada contra Lula a ele próprio, sugerindo que tenha havido um confronto entre a caravana e manifestantes ou que isso tenha sido um sinal de repúdio do povo, apesar do povo não andar armado. Como estamos nos 45 minutos do segundo tempo, até o próprio Moro foi convocado a dar as caras e participar do Roda Viva, defendendo sua condenação e criticando o STF, de leve para não dar tiro no pé. Editoriais do Globo suplicam (ou ordenam) ao Supremo para que ponham logo Lula na cadeia, que dessa forma tudo seria resolvido. Assim como tirar Dilma do poder também resolveria tudo e de lá pra cá só piorou para o lado mais fraco da corda social, o trabalhador.
O STF se reúne no dia 4 de abril para dar andamento a novela e o ministro Gilmar Mendes desponta como o grande protagonista nesta saga. Apesar de toda sua vilania, demonstra consistência em suas atitudes, para horror dos apoiadores do golpe. Para Gilmar não deveriam haver cadeias pois concede habeas corpus para qualquer um e se não concedesse logo para Lula seria contraditório. Seu entusiasmo é tanto que voltará mais cedo de seus compromissos na Europa, só para bulir com companheiros do Supremo e imprimir sua marca no que pode ser o salvo conduto que será o primeiro passo rumo a Lula conquistar o direito de disputar a presidência esse ano. Isso, se houverem eleições mas a caravana segue…