Pouco mais de uma semana após o assassinato de Marielle, até agora o crime mais relevante do ano, e os jornais vão, pouco a pouco, retirando de suas manchetes a cobertura do caso. A pressão por um rápido esclarecimento é mínima e o que se nota é uma matéria ou outra sobre homenagens póstumas e nada mais. Nesse passo, a morte da vereadora terá sido em vão se o papel dos protagonistas não for revelado logo e aparentemente isso só vai ocorrer num futuro distante, como foram as elucidações dos casos Riocentro, Herzog e outros. O caso Amarildo foi exceção porque os protagonistas eram café pequeno.
O que se sabe até agora é nada, apenas que Marielle teve sua vida esmiuçada no sentido de revelar que reunia todos os ingredientes para receber o ódio da direita ensandecida, que por sua vez se municiou para distorcer valores morais em benefício próprio. Nesse ponto, chama atenção a rapidez com que informações falsas foram disseminadas nas redes sociais e o grau elevado das reações de ódio contra a política morta. De uma hora pra outra surgiram memes elaborados, com distorções, descontextualizações, informações falsas e insultosas contra a vereadora e o próprio assassinato, com o intuito de formar opinião. Mesmo sem haver tempo para digerir os fatos, indivíduos tidos como sensatos e apolíticos compraram a ideia e compartilharam as mentiras como se fossem dados reais, gerando uma repercussão negativa totalmente desnecessária para o caso e obrigando os jornais a apurarem as mentiras. No fim de semana, o Globo publicou que o volume de postagens negativas nas redes contra Marielle foi de apenas pouco mais de 7% e que pelo menos mil e quinhentos bots, programas de reprodução automática de postagens, foram utilizados. A quem especificamente interessaria trabalhar tão agressivamente no sentido de desqualificar o assassinato da vereadora e por que as mentiras repercutiram tanto?
Neste ponto vem a calhar a informação de que o Facebook permitiu o uso indevido de informações pessoais de 50 milhões de usuários da rede e enquanto se apura sobre como esses dados foram utilizados pela firma de marketing digital Cambridge Analytica, uma luz se abre para entendermos o processo e a velocidade com que opiniões podem ser manipuladas na esfera digital.
A campanha vitoriosa de Obama para conquistar seu primeiro mandato inaugurou uma nova forma de se fazer marketing político. Além de uma legião de voluntários jovens, ele se utilizou de sofisticados programas de análise de dados dos eleitores e dessa forma pode combater a rejeição natural por pertencer a uma minoria e ainda por cima ter Hussein no nome. A partir daí, o sistema evoluiu ao ponto em que chegamos e, nesse contexto, dá pra entender que a eleição de Trump não foi mero acidente. Mas, como exatamente isso funciona?
Muito bem, no marketing tradicional as agências de propaganda trabalham com grupos específicos de consumidores para oferecer um produto, ou seja, faixas de idade, gênero, grau de educação e outros fatores enquanto que no marketing digital se trabalha com “personas”, ou melhor um personagem fictício, cujos hábitos, estilo de vida e preferências pessoais são identificados em um grupo de consumidores. Assim, um produto é oferecido diretamente para o consumidor que precisa do produto e vai adquiri-lo. Seu Facebook, Google e outros aplicativos gravam cada busca que você efetua nas redes e automaticamente lhe enquadram em uma persona específica. Por isso lhe são apresentados anúncios relacionados às sus buscas.
Até aí, nada tão nocivo mas no campo político as coisas ficam mais nefastas porque se manipulam paixões e ideologias. Os programas procuram engajar pessoas identificadas como apolíticas, com informações limitadas e com interesses pessoais que se encaixem em uma persona sensível a absorvição de idéias, baseado nos valores que acredita. Nesse contexto, pegamos um pacato pai de família, torcedor do Vasco, que vai a igreja todo domingo, só lê a parte dos esportes nos jornais e vive postando fotos dos filhos. Inserimos em seu mural do Facebook uma postagem falsa do Lula, nosso odiado preferido, dizendo que que ele torce pro Flamengo e que é pedófilo. Subliminarmente, mesmo que esse pacato cidadão não tenha nada contra Lula, vai absorver as informações falsas e ainda corre o risco de compartilha-las. O resto é um efeito dominó porque em sua lista de amigos há pessoas com o mesmo perfil.
Por mais que as pessoas se digam imunes a estas manipulações, são de alguma forma influenciadas e a única solução seria mesmo se desligar das redes sociais. Como isso não é possível para alguns, só nos resta mesmo reavaliar nossas convicções e apelar para o bom senso de nossa intuição, aquela vozinha que nos ajuda a distinguir entre o certo e errado, o bem e o mal, mentiras e verdades. Precisamos rejeitar a ideia e o rótulo de que, no final do dia, somos apenas um produto negociável nas mãos de aplicativos que deveriam ser apenas ferramentas para nos servir e exigir a tão merecida privacidade.