Apesar de soar um pouco démodé, o Dia Internacional da Mulher ainda ressoa como um aviso lúgubre de que todos os avanços sociais conquistados até aqui são apenas vagas promessas de se tornarem realidade. Enquanto nos ocupamos com a próxima batalha pelo reconhecimento legal dos direitos de grupos como LBGT, minorias étnicas e religiosas, pessoas com deficiência física ou mental, imigrantes, idosos, transgêneros, gagos e até bactérias, percebe-se que a mãe de todas as lutas por igualdade social ainda nem foi vencida.
Se observamos do ponto de vista histórico, a relegação da mulher a um plano social secundário poderia ter sido culpa dos gregos clássicos. Para aqueles, a mulher só servia para a reprodução e isso devia ser o equivalente a tomar uma injeção dolorosa porque na sociedade grega os héteros eram uma das minorias. Mas o momento pivotal na história, em que a mulher é deslocada para o segundo plano se deu na idade média. Alguém tinha que levar a culpa pela derrocada do império romano e pelas pestes que assolavam a Europa e nesse contexto, a igreja católica, que era o poder dominante, lhe atribuiu o pecado. eliminou-a de seus quadros e diminuiu sua relevância nos textos sagrados, através de uma série de concílios que determinaram a Bíblia canônica que conhecemos hoje. Por estar em uma posição superior àquela dos apóstolos, difamaram a imagem de Maria Madalena, dizendo esta ser prostituta apesar de nenhuma passagem dos evangelhos corroborar isso e trataram de mandar Joana D’arc, última liderança feminina, para a fogueira. Vendo isso, os muçulmanos que bebiam das fontes judaico-cristãs fizeram o mesmo em seu Alcorão e assim se convencionou que o papel da mulher na sociedade é secundário e pronto, até os dias de hoje.
Até as feministas de carteirinha reconhecem que grandes conquistas durante o século XX, como o direito ao voto, inserção no mercado de trabalho e outros direitos que nem deveriam ser questionados foram meros atos de condescendência e prova disso é que o sucesso de grandes mulheres como Marie Curie, Amélia Earhart, Jane Adams e outras é sempre minimizado e rotulados como “inspiradoras histórias de superação”. No Brasil, demos um passo gigantesco ao colocar a primeira mulher na presidência da república para logo depois destituí-la do poder sem haver cometido nenhum crime.
Enquanto nos debruçávamos sobre alguma nova causa que merecesse atenção, o movimento #metoo despontou como um aviso de que tudo o que se for abraçar para lutar, no que concerne ao reconhecimento de direitos de qualquer minoria, será em vão se a mãe de todas as batalhas não for concluída. Ficou evidente, através dos relatos de quem sofreu assédio, que tudo o que se conquistou com relação a igualdade das mulheres foi aparente. Elas ainda são meros objetos de consumo, descartáveis, irrelevantes, só ganham importância quando lhes é atribuída e isso porque quem está no poder e dita as regras ainda é um homem branco, sexagenário, misógino, prepotente, vaidoso, preconceituoso. Basta olhar em volta, ele está no topo de todas as estruturas de poder. Na direção dos estúdios de Hollywood, no comando das multinacionais, nos exércitos, nos altos patamares religiosos e na política então, nem se fala. Todo o ministério de Temer, o vampiro, e aliados de Trump, o sem noção, se enquadra nesse perfil, a maioria dos Congressos americano e brasileiro também. Em suma, nenhuma agenda progressista irá a frente enquanto essa estrutura de poder não for alterada.
Portanto, por essas razões, o Dia Internacional da Mulher não é uma data para ser comemorada, nem o Dia da Consciência Negra, do Índio, do Orgulho Gay. A efeméride no calendário é a mera determinação por parte do sexagenário branco que está no poder de que esta minoria ainda é sim, uma minoria, e que deve continuar sendo, para que o preconceito continue valendo e tanto é que a data está aí, para nos lembrar disso. Somente no dia em que essas datas comemorativas não mais existirem é que estaremos todos em pé de igualdade e não mais haverá necessidade de condescendência ou de reparação. A vitória nem sempre é uma conquista, mas uma constatação.