Longe do maniqueísmo tradicional, que postula a constante batalha entre o bem e o mal, o que tem-se assistido ultimamente no dia a dia é o confronto entre o certo e o errado. As percepções mudam, de acordo com o ângulo observado, como em qualquer discussão dialética mas aqueles que advogam o bom senso hão de concordar que nos tempos atuais, insistir num posicionamento tido como nitidamente errado é no mínimo proposital.
Tudo isso para chegarmos ao ponto de concluir que o ato de se tentar encontrar algum valor no que Trump diz ou faz é inútil porque foge de qualquer lógica. Ele, infelizmente, ocupa um cargo importante e a vida e destinos de milhões de pessoas estão em suas mãos. Sua política de barrar o acesso de transexuais ao serviço militar é apenas seu último ataque a conquistas que a sociedade obteve com grande sacrifício e outras agressões seguirão se a besta do apocalipse não for impedida logo.
A alegação de que custos para tratamento médico desses meros 15 mil enlistados seria alta é um argumento que não se sustenta. Melhor alegar isso, mascarando a hipocrisia, do que assumir o preconceito. Operações para correção de miopia e acompanhamento psicológico de voluntários que servem em conflitos é bem mais caro e ninguém se importa com a conta. Transexuais, diga-se de passagem, não são travestis. São pessoas que exercem seu direito sagrado e agora constitucional de fazer o que bem entender com seu próprio nariz (nesse caso, genitais) e que optam por mudar de gênero sexual. Próximos da lista a serem banidos serão portadores de tatuagens, piercing, vesgos, baixinhos e estará reinstituida a segregação.
A isso somam-se a negação do aquecimento global, perseguição aos imigrantes, chauvinismo, prepotência e tudo o mais que um político moderno é proibido de advogar e a conclusão é que tamanha intransigência só pode ser proposital. Provavelmente nem mesmo ele acredita que suas decisões sejam certas, o que nos leva a uma outra conclusão perigosa: De que suas atitudes visam o cortejo ao diabo interior de certas pessoas que acreditávamos serem bem poucas. Políticos assim sempre existiram e todo nicho precisa de seu representante mas quando este bastião chega ao cargo máximo então devemos nos preocupar.
Bush filho precisou de muita audácia para afirmar que a teoria da evolução das espécies era apenas uma “teoria”, para justificar porque defendia a idéia religiosa de que descendemos de Adão e Eva e que, portanto, era assim que deveria ser ensinado nas escolas. Ele sabia que sua afirmação visava agradar fundamentalistas cristãos e mesmo assim sua declaração foi medida, pesada e balanceada por outras decisões que aparentavam serem serias. Os tempos eram outros e de la pra cá só piorou.
Sabemos que o diabo interior que existe em algumas pessoas é contra o progresso, avesso ao bom senso e apegado a preconceitos arcaicos. Trump faz questão de assumir a imagem caricata de um ultrapassado intolerante, racista, misógino e principalmente, hipócrita, para agradar quem precisa de exorcismo e nem faz questão de fingir seriedade. Com isso ele dita o que os jornais vão estampar no dia seguinte e a mídia perde um tempo inexorável em tentar fazer algum sentido lógico de seus desmandos. Melhor seria seguir o exemplo da CNN, que optou por simplesmente ridiculariza-lo. Dessa forma, mecanismos do Estado para impedir seus abusos são acionados e as cortes podem agir mais livremente, no sentido de estabelecer a constitucionalidade de seus atos.
Enquanto isso, direitos estabelecidos são tomados, vidas irreparavelmente destruídas e conceitos tidos como certos postos à prova. A receita para que a America recupere seu prestigio de liderança no debate dessas questões é o exercício do bom e velho pragmatismo, que põe a lógica acima da moral. Afinal, distorcer a ética em função de atingir objetivos é coisa do século passado. Populismo e vaidade também. É hora de se dar um passo adiante e expulsar o demônio interior de certas pessoas e da Casa Branca também.